terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Judiciário como legislador: Estudo de caso das portarias “toque de recolher”.


1 - INTRODUÇÃO
O objeto do presente estudo é verificar se a edição das portarias denominadas “toque de recolher” – que são atos administrativos, dotados de conteúdo normativo limitadores de horário para crianças e adolescentes estarem em espaços públicos ou pertencentes à comunidade – é possível no ordenamento brasileiro, uma vez que estas são elaboradas por juízes que ocupam a vara da infância e da juventude ou de quem estabelecer o Código de Organização Judiciária onde não estiverem instaladas tais varas.
Estas portarias são editadas com características de impessoalidade, generalidade e abstração próprias das leis consideradas em sentido estrito.
A portaria “toque de recolher” começou a ser implantada em Fernandópolis, Ilha Solteira e Itapura, (SP), a partir de 2005, e determinou que pessoas com até 13 anos de idade, só poderiam permanecer nas ruas e locais públicos até as 20h30; entre 14 e 15 anos, até as 22:00; entre 16 e 17 o horário máximo para se recolher é até as 23:00h, tendo a mesma sancionado que o descumprimento poderá levar a condenação à prestação de serviços públicos ou até o recolhimento a Fundação Casa daquele município[1].
Ressalte-se que hoje essa restrição está sendo feita por meio de leis municipais, como a editada no município de Tubarão, no Estado de Santa Catarina e que foi fulminada pelo Tribunal de Justiça catarinense, por padecer de vício de inconstitucionalidade, conforme ementa:
 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO COORDENADOR DO CECCON. REJEIÇÃO. RECONHECIDO O VÍCIO FORMAL E MATERIAL DA LEI 3.379/2009, DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO QUE INSTITUIU O DENOMINADO TOQUE DE RECOLHER. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO PREVISTO NO ART. 4º E INVASÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO ESTABELECIDA NO ART. 50, § 2, INCISO I E 108, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL (ADIN N. 2010.060882-1).  (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.014498-7, de Tubarão, rel. Des. Lédio Rosa de Andrade) [2].
Nosso estudo se restringirá às portarias emitidas pelos órgãos jurisdicionais.

Quanto às portarias emitidas por juízos da infância e da juventude é interessante frisar que o Tribunal de Justiça de São Paulo[3] confirmou a validade da portaria “toque de recolher”, ao passo que o Tribunal de Justiça do Tocantins[4] refutou a validade da mesma. Igual entendimento pela invalidade da portaria “toque de recolher” foi afirmado pelo Superior Tribunal de Justiça[5].
Não há uma posição do tema pelo Supremo Tribunal Federal, contudo a partir da jurisprudência aplicada a casos análogos, e com base em acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil, e pelos princípios adotados pela Constituição Federal tentaremos construir uma hermenêutica possível, em confronto com o §2º do art. 149 da lei nº 8069/90, também denominado de Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz “as medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral”.
Os que advogam favoravelmente a edição da medida constritiva utilizam como fundamento os arts.  16, 18, 70, e 149 §2º[6] do ECA. Os que defendem a impossibilidade da edição da portaria “toque de recolher”, argumentam a seu favor o art. 2º e 5º, XV da CF e art. 15 do ECA[7], conforme lição de Fernanda Andrade Almeida[8].
No plano doutrinário utilizar-se-á em especial das obras de Hans-Georg Gadamer[9], intitulada Verdade e Método, e da obra conjunta dos autores Laurence Tribe e Michael Dorf [10]denominada Hermenêutica Constitucional.
É sabido que a Constituição Federal estatui diversas espécies de liberdade, como por exemplo, a liberdade de expressão, religiosa, de ir, vir e ficar, de associação, de reunião entre outras.
Aqui será abordada a liberdade como elemento indispensável do conteúdo da dignidade da pessoa humana, partindo-se da “perspectiva da pessoa humana como ser em busca da autorrealização, responsável pela escolha dos meios aptos para realizar suas potencialidades”.[11] Em especial será enfatizado o direito de ir, vir e ficar.
Diante do exposto, é constitucional a edição das portarias “toque de recolher”, pelos órgãos jurisdicionais, atuando como legislador positivo? Há ou não violação a dignidade da pessoa humana, quando se restringe o horário de permanência em logradouros públicos e ou comunitários de crianças e adolescentes com bases em critérios éticos?  
2 – Dos tratados internacionais sobre direitos humanos e o tratamento dado pelo STF em face da Constituição Federal.
Depois da II Guerra Mundial, período em que a humanidade atônita assistiu e teve conhecimento em toda a órbita terrestre dos horrores praticados durante o período belicoso, diversos tratados internacionais tendo por objetivo a proteção dos direitos humanos, foram editados. Nesse desiderato, foram levantados os principais instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, consoante lista trazida á baila pela profª. Flávia Piovesan: Carta das Nações Unidas, Declaração Universal do Humanos (Artigo XIII – 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Artigo 12 - 1. Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado terá o direito de nele livremente circular e escolher sua residência), Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Art. 15 -1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de: a) Participar da vida cultural; b) Desfrutar o progresso científico e suas aplicações. Convenção para a prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e Convenção sobre os Direitos da Criança (Artigo 15 – 1. Os Estados-partes reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de reunião pacífica), (Artigo 31 – 1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística.). No plano Interamericano, a mais importante é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecido como Pacto de San José da Costa Rica (Artigo 22 – Direito de circulação e de residência 1 – Toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir, em conformidade com as disposições legais.)[12].
Não obstante o texto maior dispor no art. 5º, §2 que: “Os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, a verdade é que o STF deu ao tema uma interpretação não condizente com a sua vocação de proteger os direitos humanos e em especial a dignidade da pessoa humana, mantendo interpretação que vinha desde 1977[13], que equiparava os mesmos a legislação federal ordinária.
Para que este entendimento sofresse modificação, foram necessárias três décadas, e a mesmo só ocorreu após o advento da EC nº 45/2004, que atribui o status de emenda constitucional as convenções e tratados internacionais sobre direitos humanos desde que observado o mesmo rito para a aprovação das emendas constitucionais. A controvérsia após esta norma surge: E no caso das normas não submetidas a esse procedimento, qual seria a natureza jurídica que deveria ser dada as mesmas? Manter a concepção de equipará-las às leis ordinárias, ou estar-se-ia diante de uma nova espécie normativa?
Em voto louvável, dando-se primazia a interpretação mais abrangente possível em sede de direitos humanos, o Pretório Excelso, em trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, assentou que:
Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (Art. 7º, 7), ambos no ano de 1992 não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela posterior ou anterior ao ato de adesão.[14]
Com isso, ficou estabelecido que ao lado das Emendas Constitucionais e das espécies normativas elencadas no art. 59 da Carta Magna, a Excelsa Corte atribuiu aos tratados e convenções sobre direitos humanos um status diferenciado, face ao tratamento de matérias que acabam por importar no próprio cerne da dignidade da pessoa humana, aventura primeira e última do direito, uma vez que o mesmo tutela relações humanas, ainda que espraiada difusamente. Essa primazia da norma supra legal sobre a legislação infraconstitucional significa que os textos normativos existentes no Brasil não podem com eles conflitar, e cabe ressalvar que não se trata de uma construção interpretativa arbitrária. Ao contrário vem de encontro com o preconizado no Art. 1º, III, da CF, no qual o Brasil adota como fundamento a dignidade da pessoa humana[15]. Essa mudança de postura é perfeitamente explicada pela teoria Gadameriana, que propõe “um constante interpretar até que os conceitos prévios, ao longo da comunicação sejam substituídos por outros conceitos mais novos, mais adequados” [16].
Assim, cabe ao intérprete cotejar a legislação infraconstitucional com os tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte e tenha aderido, não podendo os mesmos serem olvidados.
3 – Das portarias “toque de recolher” e o posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e de Tribunais Estaduais.
Como já salientado na introdução, estas portarias, que receberam o nome de toque de recolher, são atos de cunho normativo, editados pelo judiciário – juízos da infância e da juventude ou de quem fizer as vezes nas comarcas onde não possuem vara especializada – e que fixam horário para crianças e adolescentes permanecerem em espaços públicos ou comunitários -, fixados com critérios arbitrários, pois as diversas portarias emitidas não são coincidentes, ao contrário, em sua maioria divergem uma das outras de acordo com a localidade e a região em que são expedidas.
Os juízes que a editam, usam ao seu favor o disposto no art. 149, §2º, do ECA, dando-lhe interpretação elástica, para permitir a edição com caráter de amplitude e generalidade própria das leis, quando o comando normativo permite apenas edição de ato com caráter particular caso a caso.
O fundamento constante para a edição da portaria, a míngua de qualquer disposição constitucional, baseou-se em premissas, como afastar as crianças e adolescentes de gravíssimas situações que comprometeriam sua vida e educação, que a sua restrição contribuiria para a sua formação e as afastariam das drogas, entre outras.
Não cabe ao magistrado, enquanto hermeneuta e aplicador da lei ditar regra de conduta com aporia em premissas éticas, pois na ética o que é bom para um, pode ser péssimo para o outro.
Assim ditar condutas, valores morais, modo de ser, não cabe a ninguém, a não ser ao próprio indivíduo, enquanto espelho de uma dada realidade cultural, razão pela qual adverte John Hart Ely,[17]:
Portanto, não nos surpreendemos nem um pouco ao constatar que a história refuta a tese de que o Judiciário “isento” tem sido capaz de falar em nome de nossos melhores princípios morais.
Com razão o ilustre professor americano. O magistrado não deve ditar regras de comportamento formulado em juízo arbitrário e tolher a esfera de liberdade de quem quer que seja, a não ser nas hipóteses legalmente previstas. Não é o magistrado no exercício da jurisdição, o senhor da moral coletiva a ditar a hora de recolhimento de pessoas livres, nem pode instituir sanção sob pena de malferir o texto constitucional.
            Fazendo coro ao que se afirma aqui, em obra conjunta Mendes, Coelho e Branco[18], reiteram que por estarem os direitos fundamentais na Constituição Federal, isso faz com que os mesmos sejam obrigações, deveres, e sujeição dos poderes constituídos aos direitos fundamentais, não podendo os mesmos serem tolhidos arbitrariamente.
A vinculação do legislador aos direitos fundamentais significa também, que mesmo quando a Constituição entrega ao legislador a tarefa de restringir certos direitos (por exemplo, o de livre exercício de profissão), o legislador haverá de respeitar o núcleo essencial do direito, não estando legitimado a criar condições desarrazoadas ou que tornem impraticável o direito previsto pelo constituinte.
Estas portarias, ainda que portadoras de boa-fé, são próprias de estado de exceção onde grassa a anormalidade institucional ou então em países totalitários, que não respeitam o mais básico princípio humanitário, que é o direito de ir, vir e ficar como busca de seu desenvolvimento enquanto pessoa.
Nesse diapasão, o prof. Luis Roberto Barroso[19] averbera:
A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. [...] Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.
Chamado a se manifestar quanto ao poder normativo dos magistrados, algumas decisões de Tribunais de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça, manifestaram pela sua invalidade, conforme os seguintes julgados:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. TOQUE DE RECOLHER. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 691/STF. NORMA DE CARÁTER GENÉRICO E ABSTRATO. ILEGALIDADE.
ORDEM CONCEDIDA.
1. Trata-se de Habeas Corpus Coletivo "em favor das crianças e adolescentes domiciliados ou que se encontrem em caráter transitório dentro dos limites da Comarca de Cajuru-SP" contra decisão liminar em idêntico remédio proferida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Narra-se que a Juíza da Vara de Infância e Juventude de Cajuru editou a Portaria 01/2011, que criaria um "toque de recolher", correspondente à determinação de recolhimento, nas ruas, de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis: a) após as 23 horas, b) em locais próximos a prostíbulos e pontos de vendas de drogas e c) na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas. A mencionada portaria também determina o recolhimento dos menores que, mesmo acompanhados de seus pais ou responsáveis, sejam flagrados consumindo álcool ou estejam na presença de adultos que estejam usando entorpecentes.
3. O primeiro HC, impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São    Paulo, teve sua liminar indeferida e, posteriormente, foi rejeitado pelo mérito.
4. Preliminarmente, "o óbice da Súmula 691 do STF resta superado se comprovada a superveniência de julgamento do mérito do habeas corpus originário e o acórdão proferido contiver fundamentação que, em contraposição ao exposto na impetração, faz suficientemente as vezes de ato coator (...)" (HC 144.104/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 2.8.2010; cfr. Ainda HC 68.706/MS, Sexta Turma, Rel. Ministra  Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.8.2009 e HC 103.742/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 7.12.2009).
5. No mérito, o exame dos consideranda da Portaria 01/2011 revela preocupação genérica, expressa a partir do "número de denúncias formais e informais sobre situações de risco de crianças e adolescentes pela cidade, especificamente daqueles que permanecem nas ruas durante a noite e madrugada, expostos, entre outros, ao oferecimento de drogas ilícitas, prostituição, vandalismos e à própria influência deletéria de pessoas voltadas à prática de crimes".
6. A despeito das legítimas preocupações da autoridade coatora com as contribuições necessárias do Poder Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção integral e de direitos fundamentais da criança e do adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria.
7. A portaria em questão ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no art. 149 do ECA. "Ela contém normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e por terceiros, sob cominação de penalidades nela estabelecidas" (REsp 1046350/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 24.9.2009).
8. Habeas Corpus concedido para declarar a ilegalidade da Portaria 01/2011 da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cajuru[20].
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PODER NORMATIVO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. LIMITES. LEI 8.069⁄90, ART. 149.
1. Ao contrário do regime estabelecido pelo revogado Código de Menores (Lei 6.697⁄79), que atribuía à autoridade judiciária competência para, mediante portaria ou provimento, editar normas "de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor" (art. 8º), atualmente é bem mais restrito esse domínio normativo. Nos termos do art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069⁄90), a autoridade judiciária pode disciplinar, por portaria, "a entrada epermanência de criança ou adolescente, desacompanhada dos pais ou responsável" nos locais e eventos discriminados no inciso I, devendo essas medidas "ser fundamentadas, caso a caso, vedadas asdeterminações de caráter geral" (§ 2º). É evidente, portanto, o propósito do legislador de, por um lado, enfatizar a responsabilidade dos pais de, no exercício do seu poder familiar, zelar pela guarda e proteção dos menores em suas atividades do dia a dia, e, por outro, preservar a competência do Poder Legislativo na edição de normas de conduta de caráter geral e abstrato. 
2. Recurso Especial provido[21].

Outro também não foi o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, conforme podemos averiguar:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – ESTAUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE – APLICAÇÃO DO ARTIGO 149 – LIMITES – PODER NORMATIVO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA – NORMA DE CARÁTER GENÉRICO – PORTARIA ANULADA – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - ORDEM CONDEDIDA.

A jurisprudência moderna considera abusiva a edição de Portarias que contenham normas de caráter geral e abstrato e ultrapassem os limites normativos previstos no artigo 149 do Estatuto da Criança e Adolescente.

O propósito do legislador é enfatizar a responsabilidade dos pais de, no exercício do seu poder familiar, zelar pela guarda e proteção dos menores em suas atividades do dia a dia, e preservar a competência do Poder Legislativo na edição de normas de conduta de caráter geral e abstrato.

A despeito das legítimas preocupações da autoridade coatora com as contribuições necessárias do Poder Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção integral e de direitos fundamentais da criança e do adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria.  A portaria em questão ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no art. 149 do ECA, por  conter normas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e por terceiros, sob cominação de penalidades nela estabelecidas [22].

            
Nas decisões trazidas ao presente artigo, verificamos que a análise passou apenas no âmbito infraconstitucional, sem atacar o cerne do problema que são os limites e a legitimidade de atuação dos juízes em editar portarias com conteúdo normativo genérico, ou seja, não adentrou-se na hermenêutica constitucional possível, ante tais restrições.
Não desconhecemos a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo, que em julgamento proferido pela Corte Especial, sequer conheceu do Habeas Corpus impetrado contra a portaria “toque de recolher” do município de Fernandópolis, ao argumento simplista de que a medida manejada não era cabível[23].
4 – Da possibilidade de restrição de direitos fundamentais na Constituição Federal.
             A Constituição Federal estatuiu no art. 136, o Estado de Defesa e no art. 137 o Estado de Sítio, para garantir a estabilidade constitucional do Estado Brasileiro em momentos de grave instabilidade institucional. É interessante notar que em ambos os casos o Congresso Nacional terá de se manifestar decidindo por maioria absoluta.
Temos aqui a participação do Parlamento Brasileiro como garante quanto às medidas extremas decretadas pelo presidente da República quanto a sua necessidade por importar em restrições a direitos fundamentais.
            Logo, conclui-se que somente nestas hipóteses comporta-se medidas excepcionais fora da normalidade institucional, pois o que está em jogo é a sobrevivência da Federação Brasileira.
            Não se afirma aqui que não há tensão ou colisão entre princípios da mesma significância para a dignidade da pessoa humana, tendo que não raro, haver a opção entre um e outro, através de um juízo de ponderação. O que não pode é um direito que diz respeito ao desenvolvimento da pessoa humana, ligado diretamente à dignidade da pessoa humana, como a liberdade ambulatorial, ser suprimida em ato genérico de cunho administrativo baixado por magistrados.
5 – As gerações de direitos e a liberdade
            A liberdade permeia a historia da humanidade, confundindo-se com ela mesma.
Na Bíblia há diversas passagens da luta do povo hebreu em busca da sonhada liberdade desde que partiu do Egito sob o comando de Moisés. Na mitologia grega não é diferente. Temos o sonho de Ícaro, que tenta voar. A França legou a humanidade os três pilares básicos da Revolução de 1789 a liberdade, ao lado da igualdade e fraternidade. Com fundamento nesse trinômio, procura-se situar historicamente a evolução dos direitos fundamentais, dividindo-se em direitos de primeira geração (liberdade), segunda geração (igualdade) e de terceira geração (fraternidade), este último com titularidade difusa.
Necessário uma correção de rota. Os direitos não são isolados. Não há gerações de direitos como compartimentos estanques. Eles se confundem ao longo da história, entrelaçando-se uns aos outros, devendo-se entender este recorte metodológico que inclusive é aceito pelo pretório excelso como caráter didático[24].
Neste diapasão, assiste razão ao insigne Antônio Augusto Cançado Trindade, que na apresentação da obra Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, de autoria da professora Flávia Piovesan, defende[25]:
[...] à fantasia das chamadas “gerações de direitos, a qual corresponde a uma visão atomizada ou fragmentada destes últimos no tempo. A noção simplista das chamadas “gerações de direitos”, histórica e juridicamente infundada, tem prestado um desserviço ao pensamento mais lúcido a inspirar a evolução dos direitos internacional dos direitos humanos. Distintamente do que a infeliz invocação da imagem analógica da “sucessão generacional” parecia supor, os direitos humanos não se “sucedem” ou “substituem” uns aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e se fortalecem, interagindo direitos individuais e sociais [...]
            Outra não é a lição de Branco e Mendes:
Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte[26].
            A liberdade alcançou o status de dignidade constitucional, com suas limitações impostas apenas e tão somente pela Constituição. No Brasil não é diferente, consoante o art. 5º, caput da Carta Republicana:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos                estrangeiros        residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,     à igualdade, à segurança e à propriedade.
            Não obstante a isso, a Constituição vai mais além para expressar em seu inciso XV, art. 5º, que "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz”.
            A Lei Fundamental Alemã em seu art. 1º, n.1, diz que “A dignidade da pessoa humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”. Do mesmo teor, e erigindo como fundamento da República Brasileira, o art. 1º, inciso III, elege a dignidade da pessoa humana, como um dos seus fundamentos. Ressalte-se, que esta eleição não é arbitrária, fruto do acaso ou mera retórica. Ela vale para os três poderes.
                        Nesse diapasão todo ser humano, tem para si e contra o Estado um direito fundamental de defesa, que nada mais é que exigir que os poderes estatais não pratiquem atos coativos descabidos, ou seja, não viole a esfera jurídica de autodeterminação das pessoas baseados em premissas éticas e morais individual de quem emana o comando normativo. Por todos, o jurista português Canotilho ensina: “ [...] um direito fundamental de defesa é um direito cujo conteúdo se traduz fundamentalmente em exigir que o próprio Estado (poderes públicos) se abstenha de intervenções coactivas na esfera jurídica do particular”[27].
            Desta forma há um limite no exercício da Jurisdição, e porque não dizer, também ao Legislativo e ao Executivo na restrição de direitos básicos do ser humano. Se a lei não proíbe, não pode o intérprete sobre uma falsa premissa de conteúdo moralizador criar regras que extirpam direitos e garantias fundamentais encartado no Texto Maior. Mesmo que haja um clamor social, não é papel da jurisdição exceder os limites compatíveis com a delegação dada pelo Constituinte Originário no desempenho de suas funções. Neste passo a interpretação extensiva restritiva de direitos e garantias fundamentais não pode encontrar guarida. Não há interpretação possível para isso.
            A fundamentação para uma interpretação não pode ter como corolário, ao menos no âmbito do exercício da jurisdição, os anseios populares, o desejo da imprensa ou até mesmo suas vontades. Este não é o papel que lhe é reservado na Constituição. Sua discricionariedade encerra-se dentro do espaço normativo previsto na lei. 
            Isso não transforma o juiz em um “boca da lei”. Ao contrário. O campo aberto para interpretar continua o mesmo, mas partindo da hermenêutica possível em face da Constituição Federal. Interpretação sem fundamentação não é aplicação do direito calcado na segurança jurídica. É arbítrio dispensável. É ato de tirania não condizente com nossa realidade histórica atual.
Gadamer observa que:
A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, ou seja, é a tarefa da aplicação. A complementação produtiva do direito que se dá aí está obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se sujeito à lei como qualquer outro membro da comunidade jurídica. A ideia de uma ordem judicial implica que a sentença do juiz não surja de arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa do conjunto [...]. Entre a hermenenêutica jurídica e a dogmática jurídica existe pois, uma relação essencial, na qual a hermenêutica detém a primazia[28].

6 – O STF e a hermenêutica da sua jurisdição em sede de direitos fundamentais
A Suprema Corte Brasileira tem como viés proteger e dar guarida aos direitos fundamentais expressos ou não no texto constitucional, não admitindo restrição a estes direitos quando os mesmos digam respeito à dignidade da pessoa humana, inclusive vedando diversas atuações indevidas dos poderes legislativo e executivo quando cometem excessos.
Entendo que o catálogo dos direitos fundamentais não obstante possuir aspecto procedimentalista, tem como característica mais marcante ser dotado de conteúdo substancialista, ou seja, que diz respeito ao próprio ser humano, considerado este como possuidor de um conjunto de atributos e possibilidades aptos para o seu desenvolvimento globalmente considerado, devendo o STF abster-se da interpretação originalista da constituição, expressão que advém do direito americano e que em síntese - busca na intenção do poder constituinte originário a interpretação do texto. Advogam no sentido aqui proposto, Laurence Tribe e Michael Dorf[29] e Hans-Georg Gadamer, que defende a distância temporal, como meio para resolver os falsos preconceitos que produzem equívocos hermenêuticos, como os praticados pelos juízos da infância e adolescência na edição das portarias “toque de recolher”:
A distância temporal que possibilita essa filtragem não tem uma dimensão fechada e concluída, mas está ela mesma em constante movimento e expansão. A o lado do aspecto negativo da filtragem operada pela distância temporal, aparece, simultaneamente, seu aspecto positivo para a compreensão. Essa distância, além de eliminar os preconceitos de natureza particular, permite o surgimento daqueles que levam a uma compreensão correta[30].
            Tribe e Dorf, apontam ainda que uma Constituição não deve ser lida sob a forma de des-integração e hiper-integração. Ensinam os autores que a primeira seria ignorar o todo da Constituição, interpretando a por partes, e a última seria a sua leitura global, desprezando que a mesma é formada por diferentes partes.[31] Assim, a Constituição não é um texto único, ao contrário, é plural, diversificado, formada por diversas correntes abertas ao debate, ou como afirmam os autores há pouco citado “Essa Constituição única não pode ser confundida com a expressão singular de uma única ideia”[32].
Neste ponto, a jurisprudência do Pretório Excelso é firme em negar validade a tais atos, não importando a natureza jurídica que se queira dar a eles, no caso das portarias “toque de recolher” se ato judicial ou administrativo, pois o que está em jogo é o direito fundamental de ir e vir e permanecer, sem a observância do devido processo legal e com esteio simplesmente em fatores éticos.
 Neste sentido leciona Fábio Medina Osório, verbis:
Os tribunais superiores deixam claros seus posicionamentos: o princípio da legalidade tem validade formal e material e alcança o Estado, limitando-o, no tocante ao exercício de sua pretensão punitiva, seja na seara judicial, seja na esfera administrativa. Mas não se esgota aí o raio de abrangência da legalidade derivada do Estado de Direito. Mesmo nas hipóteses em que o Estado, sem munir-se do poder sancionador, venha a exercer poder de polícia ou impor medidas restritivas de liberdades individuais, é imperativa a obediência ao princípio da legalidade[33].
                        Para tanto, trago julgado exarado pelo plenário da Suprema Corte, que confirma o posicionamento acima afirmado.
A reserva de lei constitui postulado revestido de função                  excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que  a sua incidência reforça o princípio, que fundado na autoridade da Constituição, impõe, à Administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765, vg), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes[34].
            É interessante frisar, que não obstante o STF não tenha se pronunciado sobre as portarias “toque de recolher”, em diversos julgados, manifestou-se pela plena liberdade para as crianças e adolescentes como meio para seu desenvolvimento, devendo ocorrer a integração com o espaço comunitário e familiar, não admitindo a restrição da liberdade como regra, e sim apenas como exceção e diante de particularidades do caso concreto, conforme podemos observar:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - INTERPRETAÇÃO. O Estatuto da Criança e do Adolescente há de ser interpretado dando-se ênfase ao objetivo visado, ou seja, a proteção e a integração do menor no convívio familiar e comunitário, preservando-se-lhe, tanto quanto possível, a liberdade. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SEGREGAÇÃO. O ato de segregação, projetando-se no tempo medida de internação do menor, surge excepcional, somente se fazendo alicerçado uma vez atendidos os requisitos do artigo 121 da Lei nº 8.069/90, não cabendo a indeterminação de prazo[35].
                                                                                              
HABEAS CORPUS. ESTATUDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. ART. 120 DA LEI 8.069/1990. MENOR SOB REGIME DE SEMILIBERDADE. RESTRIÇÃO DE VISITAS À FAMÍLIA. O art. 120 do ECA possibilita a prática de atividades externas pelo menor sob o regime de semiliberdade, sem necessidade de autorização judicial. A restrição imposta pelo magistrado, no sentido de que as visitas aos familiares devam ser realizadas de maneira progressiva e condicionada, constitui constrangimento ilegal, especialmente quando desprovida de fundamentação. O regime de semiliberdade constitui típica medida de caráter sócio-educativo, devendo ser priorizado o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Inteligência dos arts. 19 da Lei 8.069/1990 e 227 da Constituição Federal. Ordem concedida[36].

EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. LIMITE MÁXIMO DE DURAÇÃO. RESTRIÇÃO À REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES EXTERNAS E IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES RELATIVAS AO BOM COMPORTAMENTO DO PACIENTE PARA VISITAÇÃO À FAMÍLIA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Ressalvadas as hipóteses arroladas nos artigos 121, § 3º e 122, § 1º, o Estatuto da Criança e do Adolescente não estipula limite máximo de duração da medida socioeducativa de semiliberdade. Resulta daí que, por remissão à aplicação do dispositivo concernente à internação, o limite temporal da semiliberdade coincide com a data em que o menor infrator completar vinte e um anos [art. 120, § 2º]. 2. O artigo 120 da Lei n. 8.069/90 garante a realização de atividades externas independentemente de autorização judicial. 3. O Estado tem o dever de assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar [artigo 227, caput, da Constituição do Brasil]. O objetivo maior da Lei n. 8.069/90 é a proteção integral à criança e ao adolescente, aí compreendida a participação na vida familiar e comunitária. 4. Restrições a essas garantias somente são possíveis em situações extremas, decretadas com cautela em decisões fundamentadas, o que no caso não se dá. Ordem parcialmente concedida para permitir ao paciente a realização de atividades externas e visitas à família sem a imposição de qualquer condição pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude[37].
            Desta forma, resta claro que não obstante a Corte Maior ainda ter enfrentado o tema, os julgados trazidos à colação e no rastro da melhor doutrina construtiva hermenêutica, as portarias “toque de recolher”, são inadmissíveis no ordenamento pátrio, por ferir a independência dos poderes, a dignidade da pessoa humana, em especial a da criança e do adolescente em formação, que acaba por ter tolhida a sua liberdade sem nenhum parâmetro plausível, ou como ensina Gadamer, a interpretação da lei não é um ato arbitrário[38].
            7 – Conclusão
            Não cabe ao intérprete extrapolar os lindes do que emana do comando normativo supremo, no caso a Constituição Federal, para fazer com que suas ideias sejam as melhores e aplicá-las a uma dada sociedade. Isso importa dizer que as portarias “toque de recolher”, correspondem a um nada jurídico, pois emanada de autoridade que não detém competência legiferante, sendo inconstitucionais.
            Os tratados internacionais dos quais o Brasil fazem parte e versam sobre Direitos Humanos, devem ser levados em conta na hora da interpretação, pois se não recepcionados como emenda constitucional, os mesmos estão hierarquicamente acima da legislação infraconstitucional.
            À guisa de proposta, seria interessante o Procurador-Geral da República ajuizar uma ADI, para que o Supremo Tribunal, desse interpretação conforme quanto aos limites e possibilidades de magistrados em editar atos abstratos e genéricos para crianças e adolescentes, em especial os que tolhem a liberdade.
            O espaço interpretativo possível, ou aberto, não enseja em arbítrio. Antes encontra limites e só se fundamenta com validade se ancorado na Constituição Federal.
            Dessa forma, a Constituição é um texto único, más não comporta uma ideia única, ao contrário, é aberto a pluralidades, visando respeitar a dignidade da pessoa humana consoante Laurence Tribe e Michael Dorf. Assim, as portarias “toque de recolher” violam a liberdade, e por consequência a dignidade da pessoa humana.
            E a hermenêutica não comporta um círculo fechado em si mesmo. Ao contrário, há um espaço aberto para superar entendimentos que se perderam no tempo, sempre num crescente valorativo, como ensina Gadamer.

 


 



 






 



 




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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[2] <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/busca.do>.  Acesso em 15  ago. 2012.
[3]  TJSP. HC nº 0112189-38.2011.8.26.0000, Rel. Desª. Maria Olívia Alves, Corte Especial, julgado em 22.08.2011.
[4] TJTO. Rel. Moura Filho Mandado de Segurança nº 5001539-06.2011.827.0000.  2ª Câmara Cível, julgado em 02/05/2012.
[5]  STJ. HC 207.720/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 01/12/2011, DJe 23/02/2012
[6] Art.16  da lei 8.069: O Direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir, estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais (..omissis); Art.18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tramento  desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor;Art.70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da crianaça e do adolescente. ; Art.149 Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará “...omisssi”§2º A s medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069Compilado.htm> Acesso em 12 de jun. de 2012.

[7] Art. 2º da CF:São Poderes da União independentes, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário; Art. 5º, XV , é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Art. 15 do ECA:  A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
[8] Almeida, F.A. Juscoronelismo ou judicialização do cotidiano? O toque de recolher para menores em cidades do interior do Brasil: XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza, p. 1296-1311.
[9] Gadamer, H-G. Verdade e método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo  Meurer 11. ed : Vozes, Petrópolis, 2011.
[10] Tribe, L; Dorf, M. Hermenêutica Constitucional. Trad. Amarílis de Sousa Birchal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
[11] Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 298.
[12] Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed: Saraiva, São Paulo , 2006, p. 345-466.
[13] STF.RE 80004/SE. Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 01/06.1977. DJ de 29.12.1977
[14] STF. RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgado em 31-2-2008, Plenário, DJE, de 5-6-2009.
[15] Brasil, Constituição Federal. 34ª ed – Brasília: Câmara dos Deputados, Câmara, 2011.
[16] Bonfim, S. Vinícius. Gadamer e a experiência hermenêutica. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, nº 49, pág. 76, abr./jun. 2010.
[17] Ely, John. Hart. Democracia e Desconfiança Uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Trad. Juliana Lemos.  Martins Fontes, São Paulo, 2010, p. 76.
[18]    Mendes, Gilmar Ferreira., Coelho;.Inocêncio Mártires., Branco. Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais.  Brasília Jurídica, 2ª tiragem, Brasília, 2002, p. 127.
[19] Barroso, Luis Roberto Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível<http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf > Acesso em 04 jul. de 2012.
[20]STJ.  HC 207.720/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 01/12/2011, DJE 23/02/2012.
[21] STJ. REsp nº 1.046.030/RJ. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 15-09-2009, DJE de 24-09-2009.
[22] TJTO. Rel. Moura Filho Mandado de Segurança nº 5001539-06.2011.827.0000, julgado em 02/05/2012, 2ª Câmara Cível.
[23] STJ. HC 207.720/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 01/12/2011, DJE 23/02/2012.
[24] STF. RE 134.297, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 22-9-1995.
[25] Piovesan, pág. XXXI.
[26] Mendes, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 156.

[27] Canotilho, J.J.G.. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2004,  p. 76.
[28] Gadamer. p. 432-433
[29] Ob, cit.
[30]  Gadamer,  p. 395.
[31] Tribe e Dorf, p.20.
[32] Tribe e Dord, p. 45.
[33] Osorio, Fabio Medina. Direitos Imanentes ao Devido Processo Legal sancionador na constituição de 1988. Constituição Federal Avanços, contribuições e modificações no professo democrático brasileiro. Org. Ives Gandra Martins e Francisco Rezek. São Paulo:Ed. RT:CEU – Centro de Extensão Universitária.2008.
[34] STF. MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-1997, Plenário, DJ de 7-1-.2006.
[35] STF. HC 88473, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 03/06/2008, 1ª Turma, DJ de 05-09-2008.
[36] STF. HC 88639, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 03/10/2006, 2ª Turma, DJ de 24-11-2006.
[37]  STF. HC 98518, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, julgado em 25-05-2010, publicado no DJE 10-06-2010
[38] Gadamer. p. 430.