segunda-feira, 13 de outubro de 2008

DIVÓRCIO DIRETO SEM PRAZO

SENTENÇA PROFERIDA PELA EXMA. SENHORA JUÍZA DE ARAGUACEMA - TO,LUCIANA COSTA AGLANTZAKIS, NA QUAL A MESMA DE FORMA REVOLUCIONÁRIA PROPÕE UMA RELEITURA DO LAPSO TEMPORAL DO PRAZO DE DOIS ANOS PARA O DIVÓRCIO DIRETO COM BASE EM INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA CF.



Autos n° 2671/08
Ação Ordinária de Divórcio Direto
Requerente: C.B.S.
Advogada: Dra. L. C. da S. – Defensoria Pública
Requerido: J.A.L.
Juíza: Luciana Costa Aglantzakis


“O amor não é amado”
São Francisco de Assis

SENTENÇA



C.B.S, qualificada nos autos, através da Defensoria Pública do Estado do Tocantins e sob o pálio da justiça gratuita, ajuizou ação ordinária de divórcio direto, em face de J.A.L, também qualificado nos autos, revel, alegando sinteticamente que casou-se com o requerido em 27 de agosto de 2005, dessa união advieram dois filhos que estão sob a guarda da requerente e assim deseja que permaneça, não há bens a partilhar, o casal está separado de fato apenas há 01( um) ano e 01( um) mês e requer o divórcio direto mesmo antes dos dois anos alegando ter sido esfaqueada pelo requerido e devido a este fato sofreu um aborto; que não há possibilidade de reconciliação; bem como o caso é de ser aplicado o artigo 1°, III - princípio da dignidade da pessoa humana, pois a requerente alega ter perdido a própria identidade e aliado ao fato de ter sido vítima de violência doméstica não é razoável diante de interpretação sistemática do ordenamento jurídico ser compelida a manter o vínculo matrimonial com o requerido.

Com a inicial vieram os seguintes documentos: declaração de necessidade de Justiça Gratuita, certidão de casamento, certidão de nascimento dos filhos do casal, cópia de identidade, CPF, certidão do Incra de recebimento de benefício da reforma agrária, atestado médico, laudo de exame de corpo de delito, Boletim de Ocorrência Militar, Decreto de Prisão Preventiva do requerido.

Citado por edital, devido o requerido estar em lugar certo e não sabido e, ter contra ele mandado de prisão preventiva, consta nos autos que o requerido não contestou a ação e lhe foi nomeado curador especial( fl. 35).

Foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 08 de outubro de 2008, com fulcro no artigo 331 § 3° do CPC, pois as circunstâncias do caso evidenciavam a improbabilidade de conciliação(fl. 29).

À folha 36 o réu apresentou contestação por negativa geral, com fulcro no artigo 302, p.u, CPC( fl. 35).

Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas a parte requerente e inquiridas as testemunhas J. dos S. M. e D. da S. R., arroladas pela parte autora(fls. 37/38).

Parecer Ministerial em audiência pugnando pela procedência do pedido, “pois o lapso temporal não pode prevalecer ante a presença de fatos gravíssimos relatados em audiência”( fl. 38).

É o que importa relatar. Passo a decidir.

Trata-se de ação ordinária de divórcio direto em situação especial que não há o decurso temporal de 02( dois) anos de separação de fato, mas que a requerente postula o direito de romper o vínculo matrimonial com supedâneo no príncipio da dignidade da pessoa humana, no direito a ser respeitada a sua identidade como pessoa e também que o Poder judiciário adote uma interpretação razoável e proporcional do ordenamento jurídico quando a requerente foi vítima de violência doméstica.

Entendo que o juiz deve julgar o caso conforme a orientação do ordenamento jurídico e, assim o faço, com fulcro numa interpretação sistemática sobre quais resultados o legislador brasileiro deseja do aplicador do direito, quando a lide versar sobre “ violência doméstica”.

A requerente foi vítima de tentativa de homicídio e aborto de conduta proferida pelo requerido em 06.08.2007, e desse fato penal recebeu 17(dezessete) facadas; teve a cabeça toda furada, ficou com aversão e medo do marido, perdeu o filho pois estava grávida e espera do Estado o reconhecimento do Direito de não ter nenhum vínculo e “status social” que a identifique com o requerido. Não almeja o direito de separar-se judicialmente, mas sim o de sentir-se livre para poder reconstituir sua vida e identificar-se como pessoa divorciada do requerido.

Primeiramente quero registrar que conforme o princípio da proibição do “non liquet”, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.( artigo 4°, LICC e artigo 126 do CPC).

O juiz, no exercício de sua função, sobretudo de seus “poderes genéricos”, submeter-se-á aos princípios jurisdicionais. Em verdade, ao proferir suas decisões, estará vinculado ao uso de tais princípios, tendo que adaptá-los a cada situação que lhe é posta.

Mas como decidir essa questão se o artigo 226 § 6° é claro que o divórcio direto deve anteceder uma separação fática de 02( dois) anos??

Ademais, é razoável na situação em comento exigir um prazo de reflexão? Essa norma constitucional é aplicável ao caso concreto?

Pois bem. Entendo que a norma do artigo 226 § 6° não deve ser aplicada ao caso concreto porque a constituição não emite vontade contrária as demais normas constitucionais de conteúdo originário. Este parágrafo alberga no seu íntimo, a finalidade constitucional da possibilidade da família ser reconstruída, com a imposição Estatal do “ prazo de reflexão”de 02(dois) anos de separação de fato.

Nesse particular, exigir da requerente a obrigação legal de observância do prazo de reflexão é reconhecer o risco de lesão aos artigos constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana que devem preponderar em relação ao artigo 226 § 6° da Constituição Federal, apenas no temperamento em relação ao prazo de 02(dois) anos de separação de fato.

Mais a mais, há omissão do ordenamento jurídico de norma aplicável á espécie e, também inexiste norma semelhante ou costume , situação que realmente vislumbro do intérprete ter que aplicar o artigo 126 do CPC realizando uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando os princípios regentes do tema de “violência doméstica e casamento”.

Antes de reconhecer os artigos que merecem interpretação sistemática faço uma breve reflexão e parada para tentar entender o “ amor” e a “violência”. É apenas tentativa, pois sentimentos do alfabeto do sentimento são repentes do cotidiano de difícil compreensão e consenso para as diferentes espécies humanas que vivem na terra.

Verifico que há consenso que nós seres humanos precisamos nutrir nossa alma com o amor, líquido invisível que nos prepara para a vida eterna e a família é o instituto necessário para esse desiderato.

O tempo é o senhor da razão e a vida ensina que há tempo para tudo, inclusive para dissolução do vínculo matrimonial em situação anormal. A natureza em si - a vida dessa requerente - exige do Estado-juiz a aplicação de normas justas que consignem um tempo especial e justo, diante de violência doméstica.

O juiz muitas vezes precisa decidir com sabedoria e não é tarefa fácil quando envolve vidas humanas.

Certo dia em que eu estava voltando para a Comarca tive que parar numa cidade próxima devido a problema no carro e na cidade de Dois Irmãos- To tive um lição inesquecível de Direito Natural de uma senhora que tinha a nobre missão de alimentar os animais enjeitados.

Essa senhora me ensinou que os animais irracionais enjeitam os filhos que nascem a mais dos limites físicos da amamentação da mãe-animal. A natureza dos bichos prima e exige que a porca, a vaca e a cabra fêmeas apenas alimentem a quantidade de filhos conforme o número de peitos e nessa jornada familiar o filho mais fraco fica enjeitado e morre, caso não tenha um “ser humano com coração gigante que o amamente artificialmente”.

O quê entender dessa lição? No meu sentir acredito que há para os animais racionais um consenso de uma lei natural chamada “ direito à vida” diante do necessário e que o excedente, o animal mais fraco, deve morrer para que os demais sobrevivam, situação que a própria natureza nos ensina que há limites para tudo, até mesmo de uma mãe-animal ter que aceitar naturalmente a morte de um filho-animal, para que os demais filhos-animais sobrevivam.

Registro esse exemplo, pois a requerente está indiretamente pedindo do Estado o reconhecimento de uma lei natural dessa natureza – Ela almeja o reconhecimento de sua especial condição de total enjeitamento pelo marido. A jovem quer o direito de viver outra família! O direito de não viver com a “dignidade em pedaços” e de não ter medo! Essa mãe chamada Estado deve tomar uma decisão difícil, de reconhecer a impossibilidade de reconstituição de uma família destruída pela violência, para que assim C.B.S. reconheça sua verdadeira identidade como “ser humano” e se alimente dos direitos fundamentais disponíveis a qualquer cidadão.

Agora passo ao exame das normas jurídicas necessárias a uma interpretação sistemática para solução da lide.

O artigo 226 § 6º é constitucional diante do livre arbítrio e com um prazo de reflexão com proporcionalidade e razoabilidade diante de uma ponderação de valores de outras normas constitucionais para a justa aplicação da norma ao caso concreto.

A dissolução do vínculo matrimonial é uma matéria constitucional que deve observar o princípio da dignidade da pessoa humana e não há inconstitucionalidade quando não há evidência clara de reconstrução da família, e nesse sentido, não há inconstitucionalidade na decretação do divórcio mesmo antes de 02( dois) anos pois não há chance de ser observada a finalidade constitucional do prazo de reflexão da RESTAURAÇÃO DA FAMÍLIA .

No presente caso a requerente foi vítima de violência doméstica física que quase lhe tirou a vida e ocasionou a morte do filho do casal, na condição de feto. O fato é verídico e foi presenciado por diversas pessoas, há testemunhas que relataram a violência sofrida pela requerente na audiência de instrução, situação ocorrida no vilarejo de Nosso Senhor do Bonfim em Araguacema-TO e que fundamentou o decreto de prisão preventiva contra o requerido(fls. 25/28).

O Douto órgão ministerial, na pessoa do Doutor Rafael Pinto Alamy, proferiu parecer no sentido da possibilidade do pleito. Vejamos:

“ no caso presente trata-se de uma excepcionalidade, tendo em vista a ausência de uma das condições da ação que é o interesse de agir pois não há o lapso temporal exigido pelo Código Civil de 02 anos de separação de fato, conforme a própria autora afirmou em juízo. Entretanto, consta no cartório criminal de Araguacema, denúncia formulada por este representante do Ministério Público em desfavor de J.A.L., por ter cometido os crimes de violência doméstica contra a requerente, especificando: tentativa de homicídio e aborto consumado; assim é notório que pela aplicação do artigo 462 do CPC caso ocorra durante a intrução o lapso temporal de 02 anos exigido, o juiz de ofício poderá decretar o divórcio, ocorre que a ação cível chegou a este juízo em menor tempo e este Representante do Ministério Público pugna pela procedência do pedido para modificação do estado civil em favor da Sra. C.B.S. para que a mesma volte a ter o estado civil de solteira. Este Promotor de Justiça entende que o lapso temporal não deverá prevalecer ante a presença de fatos gravíssimos relatados nesta audiência, pois ouve na elaboração do Código Civil forte influência da Igreja Católica para que os casais reconciliassem no período de 02 anos sem que rompessem o vínculo conjugal. Assim, ante a excepcionalidade do fato entendo ser o caso de procedência do pedido”.


É incontroverso que a aplicação da norma jurídica não prescinde da interpretação, pois como bem observou Carlos Maximiliano, numa de suas máximas: “ tudo se interpreta, inclusive o silêncio!”.

A interpretação sensível para o caso deve ser sistemática e teleológica ( artigo 5° da LICC) e

“empreendida à vista das relações de coordenação e subordinação da norma jurídica analisada com as demais normas integrantes do sistema, quer situado no mesmo patamar de hierarquia, quer situado em patamar superior”.

Aproveito, ainda, para transcrever o conceito de interpretação sistemática oferecido pelo insigne jurista Juarez de Freitas:

“A interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos”.

Dessarte, verifico, ainda, no contexto da lide, a necessidade imperiosa da observância do principio da proporcionalidade, que orienta o intérprete na justa medida de cada instituto jurídico, cujos valores a serem balanceados é a constitucionalidade da necessidade de prazo de reflexão em prol da preservação do casamento x o principio da dignidade da pessoa humana de um dos Cônjuges que sofreu ameaças sérias no seu direito à vida. O princípio da proporcionalidade tem três subprincípios: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro faz a seguinte postulação: O meio – Divórcio Direto - é adequado para o fim expressado pela requerente? Já o segundo subprincípio tem a missão de saber se há medidas disponíveis menos gravosas que resolvam a situação? A separação judicial elide na requerente o desejo de não identificar-se com o requerido? E o terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito é o resultado dos outros dois: a análise do custo/benefício da norma avaliada equilibrando os direitos fundamentais conflitantes e preservando todos os bens jurídicos envolvidos. E então, diante de tudo realmente entendo ser premente uma ponderação do valor da preservação do casamento quando a vítima de violência doméstica necessita de uma resposta estatal para reconstruir sua dignidade de mulher desvinculada não somente do vínculo conjugal, mas também matrimonial de uma pessoa que tentou matar-lhe friamente, tendo, inclusive, ceifado a vida de um feto, fruto da união do casal.

Diante das considerações supra sobre interpretação sistemática, principio da unidade da constituição e proporcionalidade aplico ao presente caso as seguintes normas: artigo 226 § 6° sem o prazo de reflexão de separação de fato de 02(dois) anos c/c artigo 226 § 8°, artigo 1°, III, artigo 3°, IV, artigo 5°, caput, todos da Constituição Federal e as Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e a de Belém do Pará e a Lei Maria da Penha, cujas normas passo a transcrever e sublinhar.

1-Constituição Federal
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

§ 2° - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
.§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

2-Convenções Internacionais

Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher

Artigo 16

1- Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e Às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:

b) o direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com livre e pleno consentimento

Convenção de Belém do Pará


Artigo 3

Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada


Artigo 4

Toda mulher tem direito ao reconhecimento desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem , entre outros:

a. direito a que se respeite sua vida;
b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;


Artigo 7

Os Estados- Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:

f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportunidade e efetivo acesso a tais processos

Artigo 12

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições , referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo 7 desta Convenção por um Estado- Parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições.

Lei Maria da Penha

Art. 5°

Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

Art. 6°

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.


Verifico, ainda que a violência doméstica sofrida pela requerente deve ser interpretada de modo razoável pois é uma violação dos direitos humanos, além de ofensa a dignidade humana e apesar de haver norma constitucional exigindo-se o prazo de separação fática de 02( dois) anos o juiz diante da interpretação sistemática das normas supra deve observar o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará que prevê no item f ao Estado- Juiz estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência.



De outra banda, a Dignidade da pessoa humana, fundamento da República, é um conceito jurídico indeterminado que exige do intérprete construção e reconstrução desse conceito em determinadas relações jurídicas, escolhendo para o caso concreto normas que possuem sintonia com o artigo 1º ,III, CF/88, sempre com o objetivo e a sensibilidade de propiciar condições mínimas para que as pessoas possuam qualidade de vida, respeito, igualdade, identidade, saúde, educação, e principalmente o mínimo direito de viver feliz, sem medo de serem molestados nos aspectos, psicológico, moral, sexual, patrimonial e intelectual e físico.

O direito à dignidade convive em harmonia com : a) direito à identidade e a diferença; direito à vida; direitos humanos a ter humanos direitos; direito de ter fronteiras e romper fronteiras; direito a interpretação constitucional conforme o principio da unidade constitucional cuja norma aplicada para divorcio sem prazo devido violência contra a mulher é a preponderância do artigo 226 § 8º da Constituição Federal e não do artigo 226 § 6º, aliada as demais normas que exigem do Estado especial proteção às mulheres vitimizadas de violência no lar.

Durante séculos, em nossa sociedade, o direito de um homem castigar sua mulher estava assegurado pela lei e legitimado culturalmente. No Direito Britânico, por exemplo, havia uma regra formal do British Common Law de que “permitia a um marido bater legalmente na esposa com uma vara”. No Brasil, o Código Criminal do Império desautorizou, em 1840, o assassinato como solução legítima para os casos de adultério, denominado como crime contra a segurança do estado civil e doméstico. Apenas por curiosidade, a pena de adultério só era imputável aos homens que comprovadamente sustentassem a amante, sendo livre a pulada de cerca masculina e proibido o mesmo tratamento ao sexo feminino. Hoje, já não existe o crime de adultério, mas existe e resiste a violência contra a mulher nos lares brasileiros, que exige do Estado especial atenção.

Tenho certeza que o constituinte originário teria excepcionado o prazo de separação fática de dois anos para situações de extrema rejeição do outro cônjuge.

Nesse contexto excepcional deve ser entendido que o jurista pode decretar o divórcio sem prazo, no caso de violência doméstica, quando não vislumbre a necessidade de um prazo de reflexão. O prazo de reflexão deve ser substituído por uma resposta efetiva do Estado na preservação da vida da vítima de violência doméstica, pois o ordenamento constitucional não permite antinomias em suas normas originárias e o aplicador da lei na pós-modernidade deve ponderar valores e adotar a norma razoável ao caso concreto(Artigo 226 § 8º c/c artigo 1º III e não interpretação literal do artigo 226 § 6º).

A violência é a antítese do amor, uma roupa rasgada pela discórdia, pela negação do outro como “outro”, como ser humano único de diferenças, sentimentos e referenciais. A mulher vítima de violência doméstica não pode ser INVISÍVEL ao Estado e aos juristas sensíveis da pós-modernidade;

Em processos cujo divórcio seja pedido sem prazo o interprete deve entender que não há razão de ser constitucional de um prazo de reflexão, principalmente em situações que a requerente está sofrendo séria ameaça de morte ou foi vítima de expressiva violência física. Mesmo que fosse uma separação fática de 01( um ) dia o Estado deve responder com uma resposta justa, pois alguém vítima de homicídio sofre injúria gravíssima icompatível com os deveres que os cônjuges assumiram quando resolveram constituir família.
;
Trata-se de inovar o Código Civil Brasileiro adotando interpretação humanista no tema do direito de família, em que surgindo evidência e declaração concreta de violência doméstica o prazo de reflexão é implícito , pois há uma presunção de desfazimento do casamento.

O intérprete do direito atual deve aplicar a norma no seu aspecto teleológico e não pode ser um ser insensível a mudanças, pois o caso concreto nunca é igual – a justiça é um valor formatado por sentimentos necessários, que apesar de abstratos exigem uma aplicação razoável para que o ser humano vislumbre nas decisões jurídicas legitimidade e efetividade.

Diante das considerações acima, vislumbro que o ser humano tem direito ao divórcio diante de situações em que a sua liberdade está sendo uma alegoria da não liberdade, em que diante de violência domestica não há possibilidade de restaurar a família, e o prazo de reflexão é um risco maior para conturbar a relação afetiva fragilizada pelo desamor total, cujo risco pode ser o “fim de um ser” que apenas via no outro razão de ser FELIZ.

Entendo ainda que os filhos do casal devem ficar com a mãe, sem maiores considerações, pois o requerido é uma pessoa de comportamento violento que de forma alguma atenderá os nobres fundamentos do ECA de proteção integral do menor e adolescente.

Ante o exposto, e em harmonia com o parecer ministerial, julgo procedente os pedidos formulados na petição inicial, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 269, I, CPC, e interpretação sistemática dos artigos 226 § § 6°( sem o prazo de dois anos) e 8° e artigos 1°,III, 3°,IV e 5°, caput e seu § 2°, todos da Constituição Federal, e as Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher( artigo 16 item b) e do Belém do Pará( artigos 3°,4° itens a,b,e e artigos 7° e 12) e a Lei Maria da Penha nos seus artigos 5° e 6° e DECRETO o DIVÓRCIO DIRETO de C.B.S. e J.A.L.. No que se refere aos filhos do casal, permanecerão eles sobre a guarda da requerente. Por fim, Determino que a requerente utilize o seu nome Cleidilara Barbosa dos Santos, na condição de solteira, devendo o Cartório Cível expedir mandado pra fins de averbação após o trânsito em julgado.






Condeno o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo no montante de R$ 500,00( quinhentos reais), com base no artigo 20 § 4° do CPC.

Não efetuado o pagamento, após o trânsito em julgado, o Cartório Cível deve informar a Procuradoria da Fazenda Estadual, e após arquivar os autos e tomar todas as providências necessárias da baixa na distribuição.

Cientifique-se o douto órgão ministerial.

P.R.I.Cumpra-se.

Araguacema, 09 de outubro de 2008.


LUCIANA COSTA AGLANTZAKIS
Juíza Substituta

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

ALGEMAS - UMA BREVE DISCUSSÃO

Vick Mature Aglantzakis
Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil


A expressão algema, é palavra de origem árabe (al-ligama), significando cada um de par de argolas de metal, com fechaduras, e ligadas entre si, para prender alguém pelo pulso, podendo também ser uma coação, , coerção, opressão, conforme lição do Mestre Aurélio Buarque de Holanda, em seu festejado dicionário, 3a. edição, 2004, editora positivo.

Nunca se discutiu tanto no Brasil sobre o uso das algemas. A pergunta que deve ser respondida é: Quais os limites de seu uso e como usar adequadamente, sem ferir um dos princípios basilares da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

É sabido que o aviltamento a que o suposto réu, mormente nos dias de hoje com ampla repercussão na mídia, é submetido em cadeia de televisão e divulgação em todos os meios de comunica"cao social impresso e disposto na internet, antecipam=lhe uma condenação.

Acredito que na maioria dos casos, ninguém ousaria enfrentar a toda poderosa Polícia Federal, que atua sobre um frte aparato, para prender um único indíviduo, de preferencia as seis da manhã. Não cabe aqui discutir o mérito do horário empreendido, vez que, o Excelso Pretório, já decidiu que o horário é do nascer ao por do sol.

Os que advogam o contrário, ou seja, pelo uso sempre das algemas, invcam a sua segurança pessoal. Fico imaginando. Como alguém em um camburão escoltado por policiais fortemente armados, po colocar em risco uma opera'ão. Só se ele for Bourne ou Rambo, de outra forma, não vejo como. Outra indagação. Qual o motivo de exibir os presos temporários devidamente algemados? Alguma orientação de ordem política ou filosófica?

A ediçao da súmula vinculante de nr 11, pelo plenário do STF, tem por objetivo nítido freio aos excessos cometidos por senhores com sede de "justiça".

A autoridade policial pode algemar, desde que exista motivos objetivos para tal, ante a circunstância concreta. Aqui não há espaço para o subjetivismo, sob pena da prática de crime de abuso de autoridade, improbidade administrativa por vioaçao ao princípio da legalidade e da proporcionalidade do agente, além dos eventuais excessos porventura cometios no desdobramento, como por exemplo, ouvir alguém algemado.

Urge, pois, temperar os excessos, sem olvidar a necessidade de segurança ao agete que comete a prisão e o respeito a dignidade do preso.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

VINTE ANOS DE CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Vick Mature Aglantzakis
Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil



No dia 05 de outubro de 2008, a Constituição Federal completará 20 (vinte) anos de promulgação, tendo sido nesse curto período de nossa recente história totalmente retalhada por inúmeras Emendas Constitucionais que longe de aperfeiçoar a democracia, deturparam-na completamente, como, por exemplo, a instituição da reeleição em nosso sistema jurídico, servindo, quase sempre aos interesses do grupo dominante politicamente.

Luiz Gonzaga Belluzo em prefácio à obra Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito de autoria do Min. Eros Roberto Grau, editora Malheiros, 3ª. Edição, 2005, acertadamente dissertou que “A concentração e confusão de poderes são responsáveis por dois fenômenos gêmeos, funestos para a ordem democrática: a apatia popular e a busca de heróis vingadores, capazes de limpar a cidade (ou o país), ainda que isto custe a devastação das garantias individuais. Nesta cruzada antidemocrática, militam os governantes que editam e reeditam medidas provisórias, os senadores que invocam as próprias virtudes para justificar a violação do decoro parlamentar, os procuradores que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma boa causa, tentam manipular e ludibriar a opinião pública.”

Esse quadro traçado pelo insigne Belluzzo é assustador. Os direitos e garantias fundamentais de tão árdua conquista com seus avanços e retrocessos, em especial na América Latina e no Brasil mais especificamente, não tem tido o trato que a Constituição dispensa.

Toda semana, somos apanhados de surpresa, como capítulos de uma mini-série em operações “fantásticas”, onde dezenas de homens bem armados , sempre às seis da manhã , prende possíveis autores de crime, como uma operação de guerra.

Daí a relevância do Supremo Tribunal Federal e de suas decisões. Não se quer aqui fazer apologia ao crime. De forma alguma. Contudo não se pode dizer que é certo prender seres humanos às seis da manhã, sob um forte esquema policialesco, ao olhar atento das lentes da televisão, que por coincidência sempre está nos locais destes eventos e em seguida o delegado dando o veredicto para a sociedade, condenando informalmente, pois a condenação formal é somente aquela que provêm do Poder Judiciário.

O individuo pode não ter honra sob a ótica de quem faz a leitura dos acontecimentos. Porém a dignidade da pessoa humana é assegurada até ao mais infame dos seres, sendo respaldada como princípio fundamental da Constituição Federal em seu art.1º.

Paralelo a este estado de coisas, vemos diariamente cenas de guerrilha urbana no Rio de Janeiro, e nenhuma operação contundente para aliviar a capital maravilhosa do mar de sangue em que se encontra mergulhada.

Urge, pois, que o guardião maior da Constituição Federal, in casu, STF, e digo maior, pois cada um de nós somos também responsáveis por vigiar o respeito aos direitos ali estatuídos, tenha suas decisões respeitadas por todos os segmentos da sociedade, e que se houver comentários a estas mesmas decisões que elas sejam feitas juridicamente, sem a conveniência política de a ou b.

Mais ainda. Temos no Brasil uma situação atípica. O executivo legisla por meio de Medidas Provisórias sob o olhar de um inerte legislativo federal, que não põe freios neste estado de coisas. As MPs devem ser editadas em caráter de urgência e relevância, até hoje não consegui ver este estado no Brasil, e infelizmente, sob o olhar condescendente do Judiciário que lhe dá o status de lei ordinária, não devendo entrar no mérito do que seja relevante e urgente. É preciso por um basta nisso.

O art. 59, diz quais são as espécies legislativas, para em seguida disciplinar a forma de cada uma ser aprovada. Da forma como está basta tão somente termos as Emendas Constitucionais e as Medidas Provisórias, pois as outras espécies são poucas usadas.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O DIREITO DE REGISTRAR SUA FILHA

Segunda-feira, 14 de Abril de 2008



VICK MATURE AGLANTZAKIS

GRADUADO EM DIREITO E PÓS GRADUADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL

No dia 14 de abril de 2008, deparei com uma notícia um tanto inusitada no sítio do jornal o globo, cujo endereço eletrônico é http://www.oglobo.com/, intitulada "Bebê filha de mãe com síndrome de Down e pai com atraso mental não consegue ser registrada". Diz no corpo da matéria que todo o país tomou connhecimento há 23 dias pela imprensa, só não tendo sido lavrado no livro das certidões do Cartório de Registro Civil da cidade de Socorro - SP, argumentando o cartório que Fábio, o pai, não consegue declarar a paternidade.
Em plena era em que os meios de comunicações são acessíveis a todos e os textos constitucionais elevam à dignidade da pessoa humana como patamar maior do Estado Democrático de Direito, fatos como esse trazido à baila, causa perplexidade.
Diz-se que combatemos o preconceito e a desinclusão social dos portadores de deficiência com diversos textos legais. Retórica apenas.
O caso de Fábio e Maria Gabriela, só ganhou contornos porquê a crinça nasceu saudavél, fruto de duas pessoas deficientes. Não é nem será a primeira vez que fatos como esses ocorreram.
A maior aventura que Deus pôs na terra é o ser humano.
E como tal, um ser humano negar valor a outro ser humano é deprimente. Nme se precisa recorrer a normas legais. É intuitivo. Somos humanos. Já não vige a escravidão legal (a ilegal, infelizmente ainda permeia os campos de trabalho, conforme ampla divulgação do noticiário nacional), nem tampouco o sectarismo do século XVIII, onde os títulos nobiliárquicos, distinguiam as pessoas de bem.
Fábio, apesar de suas dificuldades, tem consciência de que a menina Valentina é sua filha. Tanto é verdade que ele a quis registrar. Pode ter tido dificuldades em se expressar, e convenhamos, quem de nós não temos. Não sou médico, mas coloque Valentina e outra criança e pergunte a Fábio quem é sua filha. A resposta será a olulante, uma vez que atraso mental, não se confunde com amor paternal.
É necessário uma revisitação nos institutos de direito civil. Já não se pode continuar excluindo o ser humano dessa forma tão aviltante.
Que Fábio registre sua filha e curta esse momento ímpar na vida de um pai. Que esse direitoa felicidade não lhe seja subtraído.


segunda-feira, 24 de março de 2008

O ART.741, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC E SUA IRRETROATIVIDADE

VICK MATURE AGLANTZAKIS
Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Civil
O Código de Processo Civil, na parte atinente aos Embargos à Excecução Contra a Fazenda Pública, em seu art. 741, caput ( Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar) e Parágrafo Único, com a redação dada pela Lei nº 11.232/2005, " Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o titulo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

A questão que sobreleva no dispositivo é:

a) É retroativo; ou b) não retroativo.

O Código Buzaid, adotou claramente a teoria do isolamento dos atos processuais, razão pela qual, as disposições processuais alteradas, aplicam-se somente aos fatos ou atos posteriores.

Contudo, o dispositivo versa sobre questão de inconstitucionalidade declarada pelo STF.

Como é sabido, quando se trata de questão prejudicial inter partes (controle difuso), o efeito é ex tunc, e em ADIN, os efeitos podem ser modulados, em face das peculiaridades da norma afetada pela eiva inconstitucional (em sede abstrata) e que poderão advir dessa declaração.

Enfrentando o tema recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:

A jurisprudência deste Superior Tribunal é firme no sentido de que não incidem juros moratórios no precatório complementar se respeitado o prazo estabelecido pelo art. 100, § 2º, da CF/1988. Contudo, se na sentença exeqüenda já transitada em julgado, há expressa determinação para se incluirem os juros moratórios no precatório complementar até o depósito total da dívida, o afastamento de sua incidência violaria o princípio da coisa julgada. Ademais, entende esta Corte que as sentenças transitadas em julgado anteriormente à vigência do parágrafo único do art. 741 do CPC estão fora do seu alcance, mesmo que eivadas de inconstitucionalidade. Precedentes citados do STF: RE 305.186-SP, DJ 18/10/2002; do STJ: AgRg no REsp 781.655-RS, DJ 20/2/2006, e REsp 833.769-SC, DJ 3/8/2006. EREsp 806.407-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgados em 5/3/2008.


Adotou o STJ o princípio da Segurança Jurídica e da Estabilidade das Relações Jurídicas, verdadeira ressureição do Positivismo Jurídico, que muitos acreditavam estar superado pelo Pós -Positivismo, criando-se com a decisão acima mencionada e os precedentes citados um paradoxo.


Perante a doutrina constitucional, a lei declarada inconstitucional não faz parte do ordenamento jurídico, por óbvia violação ao princípio da supremacia da carta magna. Ora, se uma lei não faz parte do ordenamento por ser eivada de vício (formal ou material), como aplicar um dispositivo de uma lei ordinário (CPC), apenas para frente, sem retroagir, salvo quando os efeitos estiverem modulados, e isso em decisão da Suprema Corte. Mais ainda, e se a eiva de afronta ao texto maior for em sede inter partes?

Sobre o tema Theotonio Negrão e outros, em Código de Processo Civil anotado, 40ª edição, Editora Saraiva, 2008, anota que:

Art. 741: 31. "O § ún. do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2ª parte). Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g., as que (a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável, (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora. Também estão fora do alcance do § ún. do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas 'lato sensu', às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC" (STJ-1ª T., REsp 791.754, rel. Min. Teori Zavascki, j. 13.12.05, negaram provimento, v.u., DJU 6.2.06, p. 224).

Art. 741: 32. "O art. 741, § ún., do CPC só incide quando o 'decisum' se funda em lei ou ato normativo tidos como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Idem quando os interpreta ou os aplica de modo incompatível com a Carta Magna. O fato de o STF ter decidido, em situação concreta, inexistir direito adquirido aos percentuais dos Planos Bresser, Collor I e II, não conduz ao entendimento de que o art. 741, § ún., do CPC tem o condão de desconstituir os títulos judiciais que reconheceram como devidos os referidos índices de correção monetária. Essa hipótese não se amolda àquela prevista pela norma em questão, visto não se fundar a decisão exeqüenda em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, tampouco emprestar a eles interpretação incompatível com a Carta Magna. Trata-se de norma de caráter excepcional, pelo que se deve restringir a sua incidência, apenas, às hipóteses expressamente nela previstas" (STJ-1ª T., REsp 730.395, rel. Min. José Delgado, j. 12.4.05, negaram provimento, v.u., DJU 30.5.05, p. 260).

Art. 741: 33. Declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. "Não podem ser desconsideradas as decisões do Plenário do STF que reconhecem constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de diploma normativo. Mesmo quando tomadas em controle difuso, são decisões de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, § ún.: 'Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão'), e, no caso das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexigíveis (CPC, art. 741, § ún.; art. 475-L, § 1º, redação da Lei 11.232/05)" (STJ-1ª T., REsp 819.850, rel. Min. Teori Zavascki, j. 1.6.06, negaram provimento, v.u., DJU 19.6.06, p. 125).
O prof. Barbosa Moreira entende que em situações como a do art. 741, Parágrafo Único, a Ação Rescisória deve ser por tempo ilimitado, quando a sentença atacar a Constituição brasileira (Revista Dialética de Direito Processual, v.22, p.111).
Com argumento diverso, porém na linha do prof. Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Júnior aponta que : "De minha parte, penso que, cabendo ao Judiciário velar pela supremacia da Constituição, há de se empenhar em evitar e reparar qualquer ofensa às regras e princípios por ela ditados, sempre que se deparar com tal tipo de agressão jurídica. Se o legislador ainda não cuidou de insituir um remédio processual específico para tanto, os órgãos jurisdicionais terão de cumprir sua missão de guardiões da Constituição com os meios e instrumentos de que dispõem, adaptando-os às necessidades do caso concreto, mas nunca se negando a reprimir o mais grave atentado contra o Estado Democrático de Direito, que é o desprezo pela prevalência do primado da ordem constitucional", in Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 41ª edição, editora forense.
Entendo no meu modesto conhecimento que a razão está com a doutrina retroalinhavada. Em um Estado Democrático de Direito, pior que afrontar a coisa julgada ou processos ajuizados antes do advento de uma lei, é ferir de morte a Constituição, desprezando-a, não obstante o entendimento jurisprudencial do STJ. E esse desprezo tem que ser combatido por todos, senão, usando a expressão de Ferdinand Lassale, teremos uma folha de papel com o nome de Constituição sem nada que a proteja e por corolário os cidadãos do estado que ela rege.

terça-feira, 18 de março de 2008

PENSÃO VITALÍCIA A EX-GOVERNADORES. ANÁLISE DO ART. 61-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA

PENSÃO VITALÍCIA A EX-GOVERNADORES. ANÁLISE DO ART. 61-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA

Erick Linhares
Juiz de Direito, Doutorando em Relações Internacionais pela UFRR/Unb/Flacso e
autor do livro de Comentários à Constituição do Estado de Roraima

A Mesa da Assembléia Legislativa de Roraima, em 03 de janeiro de 2007, promulgou a Emenda Constitucional n.° 18, que, dentre outras medidas, alterou a redação do 61-A da Constituição Estadual, para criar pensão vitalícia a ex-Governadores do Estado.
Diz o referido dispositivo:
“Art. 61-A. Cessada a investidura no cargo de Governador do estado, quem o tiver exercido, em caráter permanente, fará jus, a título de representação, a um subsídio mensal e vitalício equivalente a 70% do pago ao titular, percebido em espécie”.
Duas questões se destacam em relação a esta pensão criada pela Assembléia. Primeiro, a quem se aplica a norma e, em segundo lugar, se é constitucional.
Este estudo pretende responder essas indagações.
Vejamos a abrangência da norma.
O art. 61-A da Constituição Estadual, acima transcrito, estabelece dois requisitos para a percepção do benefício, a saber: (1) término da investidura na Chefia do Executivo Estadual e (2) efetividade da investidura, ou seja, veda sua concessão a quem tenha exercido transitoriamente o cargo.
Vê-se que, embora pudesse fazê-lo, o legislador estadual não impôs qualquer outra restrição ao benefício que instituiu, em prol dos ex-Governadores.
Dessa forma, “o núcleo do mandamento constitucional está na atribuição de subsídio (...), a quem, cessada a investidura, tenha exercido o cargo” (STF, RP 1430, Rel. Min. Oscar Corrêa), sem qualquer outra limitação.
Sendo assim, os Chefes do Executivo Estadual (excluídos os do ex-Território), que exerceram mandato em período anterior a vigência da emenda constitucional concessiva do benefício, têm direito à sua percepção, mas a partir da data em que a norma entrou em vigor.
Quanto à constitucionalidade.
A Constituição Federal de 1969 contemplava, em seu art. 184, o pagamento de pensão vitalícia para ex-Presidentes da República, e este dispositivo era o fundamento de validade para que os Estados da Federação adotassem regra similar para seus ex-Governadores.
Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em atenção ao princípio da simetria, que tais pensões somente seriam válidas enquanto vigente o padrão da Constituição da República (ADIn/MC 1.461-7).
Revogada aquela disposição, como se deu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (que não tratou do assunto), as Constituições Estaduais perderam o suporte de validade.
No caso de Roraima, a norma estadual que confere pensão vitalícia a ex-Governadores é de 03 de janeiro de 2007 e a Constituição Estadual, assim como o próprio Estado de Roraima, são posteriores a Carta Federal de 1988.
Vale dizer, não há amparo jurídico na Constituição Federal que empreste validade ao art. 61-A da Constituição Estadual de Roraima.
Nesse sentido, em recente decisão (ADIn 3.853-2), o Supremo Tribunal Federal, analisando pensão semelhante concedida ao ex-Governador do Mato Grosso do Sul (Zeca do PT), decidiu ser inconstitucional esse tipo de benefício, por violação ao princípio da simetria, dentre outros.
Sendo assim, diante desse forte precedente de nossa Suprema Corte, podemos concluir que:
1) É inconstitucional a pensão vitalícia estipulada no artigo 61-A da Constituição Estadual de Roraima, acrescido pela Emenda n.° 18, de 03 de janeiro de 2007, por violação ao princípio da simetria.
2) Enquanto esta inconstitucionalidade não for declarada pelo Judiciário ou o referido dispositivo não for revogado pelo Legislativo, a norma em questão tem validade jurídica e, como não sofre qualquer restrição temporal, se aplica a todos os ex-Governadores (excluídos os do ex-Território) que exerceram mandato em período anterior a vigência da referida emenda constitucional.