segunda-feira, 24 de março de 2008

O ART.741, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC E SUA IRRETROATIVIDADE

VICK MATURE AGLANTZAKIS
Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Civil
O Código de Processo Civil, na parte atinente aos Embargos à Excecução Contra a Fazenda Pública, em seu art. 741, caput ( Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar) e Parágrafo Único, com a redação dada pela Lei nº 11.232/2005, " Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o titulo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

A questão que sobreleva no dispositivo é:

a) É retroativo; ou b) não retroativo.

O Código Buzaid, adotou claramente a teoria do isolamento dos atos processuais, razão pela qual, as disposições processuais alteradas, aplicam-se somente aos fatos ou atos posteriores.

Contudo, o dispositivo versa sobre questão de inconstitucionalidade declarada pelo STF.

Como é sabido, quando se trata de questão prejudicial inter partes (controle difuso), o efeito é ex tunc, e em ADIN, os efeitos podem ser modulados, em face das peculiaridades da norma afetada pela eiva inconstitucional (em sede abstrata) e que poderão advir dessa declaração.

Enfrentando o tema recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que:

A jurisprudência deste Superior Tribunal é firme no sentido de que não incidem juros moratórios no precatório complementar se respeitado o prazo estabelecido pelo art. 100, § 2º, da CF/1988. Contudo, se na sentença exeqüenda já transitada em julgado, há expressa determinação para se incluirem os juros moratórios no precatório complementar até o depósito total da dívida, o afastamento de sua incidência violaria o princípio da coisa julgada. Ademais, entende esta Corte que as sentenças transitadas em julgado anteriormente à vigência do parágrafo único do art. 741 do CPC estão fora do seu alcance, mesmo que eivadas de inconstitucionalidade. Precedentes citados do STF: RE 305.186-SP, DJ 18/10/2002; do STJ: AgRg no REsp 781.655-RS, DJ 20/2/2006, e REsp 833.769-SC, DJ 3/8/2006. EREsp 806.407-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgados em 5/3/2008.


Adotou o STJ o princípio da Segurança Jurídica e da Estabilidade das Relações Jurídicas, verdadeira ressureição do Positivismo Jurídico, que muitos acreditavam estar superado pelo Pós -Positivismo, criando-se com a decisão acima mencionada e os precedentes citados um paradoxo.


Perante a doutrina constitucional, a lei declarada inconstitucional não faz parte do ordenamento jurídico, por óbvia violação ao princípio da supremacia da carta magna. Ora, se uma lei não faz parte do ordenamento por ser eivada de vício (formal ou material), como aplicar um dispositivo de uma lei ordinário (CPC), apenas para frente, sem retroagir, salvo quando os efeitos estiverem modulados, e isso em decisão da Suprema Corte. Mais ainda, e se a eiva de afronta ao texto maior for em sede inter partes?

Sobre o tema Theotonio Negrão e outros, em Código de Processo Civil anotado, 40ª edição, Editora Saraiva, 2008, anota que:

Art. 741: 31. "O § ún. do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2ª parte). Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g., as que (a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável, (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora. Também estão fora do alcance do § ún. do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas 'lato sensu', às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC" (STJ-1ª T., REsp 791.754, rel. Min. Teori Zavascki, j. 13.12.05, negaram provimento, v.u., DJU 6.2.06, p. 224).

Art. 741: 32. "O art. 741, § ún., do CPC só incide quando o 'decisum' se funda em lei ou ato normativo tidos como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Idem quando os interpreta ou os aplica de modo incompatível com a Carta Magna. O fato de o STF ter decidido, em situação concreta, inexistir direito adquirido aos percentuais dos Planos Bresser, Collor I e II, não conduz ao entendimento de que o art. 741, § ún., do CPC tem o condão de desconstituir os títulos judiciais que reconheceram como devidos os referidos índices de correção monetária. Essa hipótese não se amolda àquela prevista pela norma em questão, visto não se fundar a decisão exeqüenda em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, tampouco emprestar a eles interpretação incompatível com a Carta Magna. Trata-se de norma de caráter excepcional, pelo que se deve restringir a sua incidência, apenas, às hipóteses expressamente nela previstas" (STJ-1ª T., REsp 730.395, rel. Min. José Delgado, j. 12.4.05, negaram provimento, v.u., DJU 30.5.05, p. 260).

Art. 741: 33. Declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. "Não podem ser desconsideradas as decisões do Plenário do STF que reconhecem constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de diploma normativo. Mesmo quando tomadas em controle difuso, são decisões de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, § ún.: 'Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão'), e, no caso das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexigíveis (CPC, art. 741, § ún.; art. 475-L, § 1º, redação da Lei 11.232/05)" (STJ-1ª T., REsp 819.850, rel. Min. Teori Zavascki, j. 1.6.06, negaram provimento, v.u., DJU 19.6.06, p. 125).
O prof. Barbosa Moreira entende que em situações como a do art. 741, Parágrafo Único, a Ação Rescisória deve ser por tempo ilimitado, quando a sentença atacar a Constituição brasileira (Revista Dialética de Direito Processual, v.22, p.111).
Com argumento diverso, porém na linha do prof. Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Júnior aponta que : "De minha parte, penso que, cabendo ao Judiciário velar pela supremacia da Constituição, há de se empenhar em evitar e reparar qualquer ofensa às regras e princípios por ela ditados, sempre que se deparar com tal tipo de agressão jurídica. Se o legislador ainda não cuidou de insituir um remédio processual específico para tanto, os órgãos jurisdicionais terão de cumprir sua missão de guardiões da Constituição com os meios e instrumentos de que dispõem, adaptando-os às necessidades do caso concreto, mas nunca se negando a reprimir o mais grave atentado contra o Estado Democrático de Direito, que é o desprezo pela prevalência do primado da ordem constitucional", in Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 41ª edição, editora forense.
Entendo no meu modesto conhecimento que a razão está com a doutrina retroalinhavada. Em um Estado Democrático de Direito, pior que afrontar a coisa julgada ou processos ajuizados antes do advento de uma lei, é ferir de morte a Constituição, desprezando-a, não obstante o entendimento jurisprudencial do STJ. E esse desprezo tem que ser combatido por todos, senão, usando a expressão de Ferdinand Lassale, teremos uma folha de papel com o nome de Constituição sem nada que a proteja e por corolário os cidadãos do estado que ela rege.

terça-feira, 18 de março de 2008

PENSÃO VITALÍCIA A EX-GOVERNADORES. ANÁLISE DO ART. 61-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA

PENSÃO VITALÍCIA A EX-GOVERNADORES. ANÁLISE DO ART. 61-A DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE RORAIMA

Erick Linhares
Juiz de Direito, Doutorando em Relações Internacionais pela UFRR/Unb/Flacso e
autor do livro de Comentários à Constituição do Estado de Roraima

A Mesa da Assembléia Legislativa de Roraima, em 03 de janeiro de 2007, promulgou a Emenda Constitucional n.° 18, que, dentre outras medidas, alterou a redação do 61-A da Constituição Estadual, para criar pensão vitalícia a ex-Governadores do Estado.
Diz o referido dispositivo:
“Art. 61-A. Cessada a investidura no cargo de Governador do estado, quem o tiver exercido, em caráter permanente, fará jus, a título de representação, a um subsídio mensal e vitalício equivalente a 70% do pago ao titular, percebido em espécie”.
Duas questões se destacam em relação a esta pensão criada pela Assembléia. Primeiro, a quem se aplica a norma e, em segundo lugar, se é constitucional.
Este estudo pretende responder essas indagações.
Vejamos a abrangência da norma.
O art. 61-A da Constituição Estadual, acima transcrito, estabelece dois requisitos para a percepção do benefício, a saber: (1) término da investidura na Chefia do Executivo Estadual e (2) efetividade da investidura, ou seja, veda sua concessão a quem tenha exercido transitoriamente o cargo.
Vê-se que, embora pudesse fazê-lo, o legislador estadual não impôs qualquer outra restrição ao benefício que instituiu, em prol dos ex-Governadores.
Dessa forma, “o núcleo do mandamento constitucional está na atribuição de subsídio (...), a quem, cessada a investidura, tenha exercido o cargo” (STF, RP 1430, Rel. Min. Oscar Corrêa), sem qualquer outra limitação.
Sendo assim, os Chefes do Executivo Estadual (excluídos os do ex-Território), que exerceram mandato em período anterior a vigência da emenda constitucional concessiva do benefício, têm direito à sua percepção, mas a partir da data em que a norma entrou em vigor.
Quanto à constitucionalidade.
A Constituição Federal de 1969 contemplava, em seu art. 184, o pagamento de pensão vitalícia para ex-Presidentes da República, e este dispositivo era o fundamento de validade para que os Estados da Federação adotassem regra similar para seus ex-Governadores.
Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em atenção ao princípio da simetria, que tais pensões somente seriam válidas enquanto vigente o padrão da Constituição da República (ADIn/MC 1.461-7).
Revogada aquela disposição, como se deu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (que não tratou do assunto), as Constituições Estaduais perderam o suporte de validade.
No caso de Roraima, a norma estadual que confere pensão vitalícia a ex-Governadores é de 03 de janeiro de 2007 e a Constituição Estadual, assim como o próprio Estado de Roraima, são posteriores a Carta Federal de 1988.
Vale dizer, não há amparo jurídico na Constituição Federal que empreste validade ao art. 61-A da Constituição Estadual de Roraima.
Nesse sentido, em recente decisão (ADIn 3.853-2), o Supremo Tribunal Federal, analisando pensão semelhante concedida ao ex-Governador do Mato Grosso do Sul (Zeca do PT), decidiu ser inconstitucional esse tipo de benefício, por violação ao princípio da simetria, dentre outros.
Sendo assim, diante desse forte precedente de nossa Suprema Corte, podemos concluir que:
1) É inconstitucional a pensão vitalícia estipulada no artigo 61-A da Constituição Estadual de Roraima, acrescido pela Emenda n.° 18, de 03 de janeiro de 2007, por violação ao princípio da simetria.
2) Enquanto esta inconstitucionalidade não for declarada pelo Judiciário ou o referido dispositivo não for revogado pelo Legislativo, a norma em questão tem validade jurídica e, como não sofre qualquer restrição temporal, se aplica a todos os ex-Governadores (excluídos os do ex-Território) que exerceram mandato em período anterior a vigência da referida emenda constitucional.