segunda-feira, 13 de outubro de 2008

DIVÓRCIO DIRETO SEM PRAZO

SENTENÇA PROFERIDA PELA EXMA. SENHORA JUÍZA DE ARAGUACEMA - TO,LUCIANA COSTA AGLANTZAKIS, NA QUAL A MESMA DE FORMA REVOLUCIONÁRIA PROPÕE UMA RELEITURA DO LAPSO TEMPORAL DO PRAZO DE DOIS ANOS PARA O DIVÓRCIO DIRETO COM BASE EM INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA CF.



Autos n° 2671/08
Ação Ordinária de Divórcio Direto
Requerente: C.B.S.
Advogada: Dra. L. C. da S. – Defensoria Pública
Requerido: J.A.L.
Juíza: Luciana Costa Aglantzakis


“O amor não é amado”
São Francisco de Assis

SENTENÇA



C.B.S, qualificada nos autos, através da Defensoria Pública do Estado do Tocantins e sob o pálio da justiça gratuita, ajuizou ação ordinária de divórcio direto, em face de J.A.L, também qualificado nos autos, revel, alegando sinteticamente que casou-se com o requerido em 27 de agosto de 2005, dessa união advieram dois filhos que estão sob a guarda da requerente e assim deseja que permaneça, não há bens a partilhar, o casal está separado de fato apenas há 01( um) ano e 01( um) mês e requer o divórcio direto mesmo antes dos dois anos alegando ter sido esfaqueada pelo requerido e devido a este fato sofreu um aborto; que não há possibilidade de reconciliação; bem como o caso é de ser aplicado o artigo 1°, III - princípio da dignidade da pessoa humana, pois a requerente alega ter perdido a própria identidade e aliado ao fato de ter sido vítima de violência doméstica não é razoável diante de interpretação sistemática do ordenamento jurídico ser compelida a manter o vínculo matrimonial com o requerido.

Com a inicial vieram os seguintes documentos: declaração de necessidade de Justiça Gratuita, certidão de casamento, certidão de nascimento dos filhos do casal, cópia de identidade, CPF, certidão do Incra de recebimento de benefício da reforma agrária, atestado médico, laudo de exame de corpo de delito, Boletim de Ocorrência Militar, Decreto de Prisão Preventiva do requerido.

Citado por edital, devido o requerido estar em lugar certo e não sabido e, ter contra ele mandado de prisão preventiva, consta nos autos que o requerido não contestou a ação e lhe foi nomeado curador especial( fl. 35).

Foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 08 de outubro de 2008, com fulcro no artigo 331 § 3° do CPC, pois as circunstâncias do caso evidenciavam a improbabilidade de conciliação(fl. 29).

À folha 36 o réu apresentou contestação por negativa geral, com fulcro no artigo 302, p.u, CPC( fl. 35).

Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidas a parte requerente e inquiridas as testemunhas J. dos S. M. e D. da S. R., arroladas pela parte autora(fls. 37/38).

Parecer Ministerial em audiência pugnando pela procedência do pedido, “pois o lapso temporal não pode prevalecer ante a presença de fatos gravíssimos relatados em audiência”( fl. 38).

É o que importa relatar. Passo a decidir.

Trata-se de ação ordinária de divórcio direto em situação especial que não há o decurso temporal de 02( dois) anos de separação de fato, mas que a requerente postula o direito de romper o vínculo matrimonial com supedâneo no príncipio da dignidade da pessoa humana, no direito a ser respeitada a sua identidade como pessoa e também que o Poder judiciário adote uma interpretação razoável e proporcional do ordenamento jurídico quando a requerente foi vítima de violência doméstica.

Entendo que o juiz deve julgar o caso conforme a orientação do ordenamento jurídico e, assim o faço, com fulcro numa interpretação sistemática sobre quais resultados o legislador brasileiro deseja do aplicador do direito, quando a lide versar sobre “ violência doméstica”.

A requerente foi vítima de tentativa de homicídio e aborto de conduta proferida pelo requerido em 06.08.2007, e desse fato penal recebeu 17(dezessete) facadas; teve a cabeça toda furada, ficou com aversão e medo do marido, perdeu o filho pois estava grávida e espera do Estado o reconhecimento do Direito de não ter nenhum vínculo e “status social” que a identifique com o requerido. Não almeja o direito de separar-se judicialmente, mas sim o de sentir-se livre para poder reconstituir sua vida e identificar-se como pessoa divorciada do requerido.

Primeiramente quero registrar que conforme o princípio da proibição do “non liquet”, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.( artigo 4°, LICC e artigo 126 do CPC).

O juiz, no exercício de sua função, sobretudo de seus “poderes genéricos”, submeter-se-á aos princípios jurisdicionais. Em verdade, ao proferir suas decisões, estará vinculado ao uso de tais princípios, tendo que adaptá-los a cada situação que lhe é posta.

Mas como decidir essa questão se o artigo 226 § 6° é claro que o divórcio direto deve anteceder uma separação fática de 02( dois) anos??

Ademais, é razoável na situação em comento exigir um prazo de reflexão? Essa norma constitucional é aplicável ao caso concreto?

Pois bem. Entendo que a norma do artigo 226 § 6° não deve ser aplicada ao caso concreto porque a constituição não emite vontade contrária as demais normas constitucionais de conteúdo originário. Este parágrafo alberga no seu íntimo, a finalidade constitucional da possibilidade da família ser reconstruída, com a imposição Estatal do “ prazo de reflexão”de 02(dois) anos de separação de fato.

Nesse particular, exigir da requerente a obrigação legal de observância do prazo de reflexão é reconhecer o risco de lesão aos artigos constitucionais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana que devem preponderar em relação ao artigo 226 § 6° da Constituição Federal, apenas no temperamento em relação ao prazo de 02(dois) anos de separação de fato.

Mais a mais, há omissão do ordenamento jurídico de norma aplicável á espécie e, também inexiste norma semelhante ou costume , situação que realmente vislumbro do intérprete ter que aplicar o artigo 126 do CPC realizando uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando os princípios regentes do tema de “violência doméstica e casamento”.

Antes de reconhecer os artigos que merecem interpretação sistemática faço uma breve reflexão e parada para tentar entender o “ amor” e a “violência”. É apenas tentativa, pois sentimentos do alfabeto do sentimento são repentes do cotidiano de difícil compreensão e consenso para as diferentes espécies humanas que vivem na terra.

Verifico que há consenso que nós seres humanos precisamos nutrir nossa alma com o amor, líquido invisível que nos prepara para a vida eterna e a família é o instituto necessário para esse desiderato.

O tempo é o senhor da razão e a vida ensina que há tempo para tudo, inclusive para dissolução do vínculo matrimonial em situação anormal. A natureza em si - a vida dessa requerente - exige do Estado-juiz a aplicação de normas justas que consignem um tempo especial e justo, diante de violência doméstica.

O juiz muitas vezes precisa decidir com sabedoria e não é tarefa fácil quando envolve vidas humanas.

Certo dia em que eu estava voltando para a Comarca tive que parar numa cidade próxima devido a problema no carro e na cidade de Dois Irmãos- To tive um lição inesquecível de Direito Natural de uma senhora que tinha a nobre missão de alimentar os animais enjeitados.

Essa senhora me ensinou que os animais irracionais enjeitam os filhos que nascem a mais dos limites físicos da amamentação da mãe-animal. A natureza dos bichos prima e exige que a porca, a vaca e a cabra fêmeas apenas alimentem a quantidade de filhos conforme o número de peitos e nessa jornada familiar o filho mais fraco fica enjeitado e morre, caso não tenha um “ser humano com coração gigante que o amamente artificialmente”.

O quê entender dessa lição? No meu sentir acredito que há para os animais racionais um consenso de uma lei natural chamada “ direito à vida” diante do necessário e que o excedente, o animal mais fraco, deve morrer para que os demais sobrevivam, situação que a própria natureza nos ensina que há limites para tudo, até mesmo de uma mãe-animal ter que aceitar naturalmente a morte de um filho-animal, para que os demais filhos-animais sobrevivam.

Registro esse exemplo, pois a requerente está indiretamente pedindo do Estado o reconhecimento de uma lei natural dessa natureza – Ela almeja o reconhecimento de sua especial condição de total enjeitamento pelo marido. A jovem quer o direito de viver outra família! O direito de não viver com a “dignidade em pedaços” e de não ter medo! Essa mãe chamada Estado deve tomar uma decisão difícil, de reconhecer a impossibilidade de reconstituição de uma família destruída pela violência, para que assim C.B.S. reconheça sua verdadeira identidade como “ser humano” e se alimente dos direitos fundamentais disponíveis a qualquer cidadão.

Agora passo ao exame das normas jurídicas necessárias a uma interpretação sistemática para solução da lide.

O artigo 226 § 6º é constitucional diante do livre arbítrio e com um prazo de reflexão com proporcionalidade e razoabilidade diante de uma ponderação de valores de outras normas constitucionais para a justa aplicação da norma ao caso concreto.

A dissolução do vínculo matrimonial é uma matéria constitucional que deve observar o princípio da dignidade da pessoa humana e não há inconstitucionalidade quando não há evidência clara de reconstrução da família, e nesse sentido, não há inconstitucionalidade na decretação do divórcio mesmo antes de 02( dois) anos pois não há chance de ser observada a finalidade constitucional do prazo de reflexão da RESTAURAÇÃO DA FAMÍLIA .

No presente caso a requerente foi vítima de violência doméstica física que quase lhe tirou a vida e ocasionou a morte do filho do casal, na condição de feto. O fato é verídico e foi presenciado por diversas pessoas, há testemunhas que relataram a violência sofrida pela requerente na audiência de instrução, situação ocorrida no vilarejo de Nosso Senhor do Bonfim em Araguacema-TO e que fundamentou o decreto de prisão preventiva contra o requerido(fls. 25/28).

O Douto órgão ministerial, na pessoa do Doutor Rafael Pinto Alamy, proferiu parecer no sentido da possibilidade do pleito. Vejamos:

“ no caso presente trata-se de uma excepcionalidade, tendo em vista a ausência de uma das condições da ação que é o interesse de agir pois não há o lapso temporal exigido pelo Código Civil de 02 anos de separação de fato, conforme a própria autora afirmou em juízo. Entretanto, consta no cartório criminal de Araguacema, denúncia formulada por este representante do Ministério Público em desfavor de J.A.L., por ter cometido os crimes de violência doméstica contra a requerente, especificando: tentativa de homicídio e aborto consumado; assim é notório que pela aplicação do artigo 462 do CPC caso ocorra durante a intrução o lapso temporal de 02 anos exigido, o juiz de ofício poderá decretar o divórcio, ocorre que a ação cível chegou a este juízo em menor tempo e este Representante do Ministério Público pugna pela procedência do pedido para modificação do estado civil em favor da Sra. C.B.S. para que a mesma volte a ter o estado civil de solteira. Este Promotor de Justiça entende que o lapso temporal não deverá prevalecer ante a presença de fatos gravíssimos relatados nesta audiência, pois ouve na elaboração do Código Civil forte influência da Igreja Católica para que os casais reconciliassem no período de 02 anos sem que rompessem o vínculo conjugal. Assim, ante a excepcionalidade do fato entendo ser o caso de procedência do pedido”.


É incontroverso que a aplicação da norma jurídica não prescinde da interpretação, pois como bem observou Carlos Maximiliano, numa de suas máximas: “ tudo se interpreta, inclusive o silêncio!”.

A interpretação sensível para o caso deve ser sistemática e teleológica ( artigo 5° da LICC) e

“empreendida à vista das relações de coordenação e subordinação da norma jurídica analisada com as demais normas integrantes do sistema, quer situado no mesmo patamar de hierarquia, quer situado em patamar superior”.

Aproveito, ainda, para transcrever o conceito de interpretação sistemática oferecido pelo insigne jurista Juarez de Freitas:

“A interpretação sistemática deve ser definida como uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos”.

Dessarte, verifico, ainda, no contexto da lide, a necessidade imperiosa da observância do principio da proporcionalidade, que orienta o intérprete na justa medida de cada instituto jurídico, cujos valores a serem balanceados é a constitucionalidade da necessidade de prazo de reflexão em prol da preservação do casamento x o principio da dignidade da pessoa humana de um dos Cônjuges que sofreu ameaças sérias no seu direito à vida. O princípio da proporcionalidade tem três subprincípios: adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro faz a seguinte postulação: O meio – Divórcio Direto - é adequado para o fim expressado pela requerente? Já o segundo subprincípio tem a missão de saber se há medidas disponíveis menos gravosas que resolvam a situação? A separação judicial elide na requerente o desejo de não identificar-se com o requerido? E o terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito é o resultado dos outros dois: a análise do custo/benefício da norma avaliada equilibrando os direitos fundamentais conflitantes e preservando todos os bens jurídicos envolvidos. E então, diante de tudo realmente entendo ser premente uma ponderação do valor da preservação do casamento quando a vítima de violência doméstica necessita de uma resposta estatal para reconstruir sua dignidade de mulher desvinculada não somente do vínculo conjugal, mas também matrimonial de uma pessoa que tentou matar-lhe friamente, tendo, inclusive, ceifado a vida de um feto, fruto da união do casal.

Diante das considerações supra sobre interpretação sistemática, principio da unidade da constituição e proporcionalidade aplico ao presente caso as seguintes normas: artigo 226 § 6° sem o prazo de reflexão de separação de fato de 02(dois) anos c/c artigo 226 § 8°, artigo 1°, III, artigo 3°, IV, artigo 5°, caput, todos da Constituição Federal e as Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e a de Belém do Pará e a Lei Maria da Penha, cujas normas passo a transcrever e sublinhar.

1-Constituição Federal
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

§ 2° - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
.§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

2-Convenções Internacionais

Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher

Artigo 16

1- Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e Às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:

b) o direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com livre e pleno consentimento

Convenção de Belém do Pará


Artigo 3

Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada


Artigo 4

Toda mulher tem direito ao reconhecimento desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem , entre outros:

a. direito a que se respeite sua vida;
b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;


Artigo 7

Os Estados- Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:

f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportunidade e efetivo acesso a tais processos

Artigo 12

Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições , referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo 7 desta Convenção por um Estado- Parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições.

Lei Maria da Penha

Art. 5°

Para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

Art. 6°

A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.


Verifico, ainda que a violência doméstica sofrida pela requerente deve ser interpretada de modo razoável pois é uma violação dos direitos humanos, além de ofensa a dignidade humana e apesar de haver norma constitucional exigindo-se o prazo de separação fática de 02( dois) anos o juiz diante da interpretação sistemática das normas supra deve observar o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará que prevê no item f ao Estado- Juiz estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência.



De outra banda, a Dignidade da pessoa humana, fundamento da República, é um conceito jurídico indeterminado que exige do intérprete construção e reconstrução desse conceito em determinadas relações jurídicas, escolhendo para o caso concreto normas que possuem sintonia com o artigo 1º ,III, CF/88, sempre com o objetivo e a sensibilidade de propiciar condições mínimas para que as pessoas possuam qualidade de vida, respeito, igualdade, identidade, saúde, educação, e principalmente o mínimo direito de viver feliz, sem medo de serem molestados nos aspectos, psicológico, moral, sexual, patrimonial e intelectual e físico.

O direito à dignidade convive em harmonia com : a) direito à identidade e a diferença; direito à vida; direitos humanos a ter humanos direitos; direito de ter fronteiras e romper fronteiras; direito a interpretação constitucional conforme o principio da unidade constitucional cuja norma aplicada para divorcio sem prazo devido violência contra a mulher é a preponderância do artigo 226 § 8º da Constituição Federal e não do artigo 226 § 6º, aliada as demais normas que exigem do Estado especial proteção às mulheres vitimizadas de violência no lar.

Durante séculos, em nossa sociedade, o direito de um homem castigar sua mulher estava assegurado pela lei e legitimado culturalmente. No Direito Britânico, por exemplo, havia uma regra formal do British Common Law de que “permitia a um marido bater legalmente na esposa com uma vara”. No Brasil, o Código Criminal do Império desautorizou, em 1840, o assassinato como solução legítima para os casos de adultério, denominado como crime contra a segurança do estado civil e doméstico. Apenas por curiosidade, a pena de adultério só era imputável aos homens que comprovadamente sustentassem a amante, sendo livre a pulada de cerca masculina e proibido o mesmo tratamento ao sexo feminino. Hoje, já não existe o crime de adultério, mas existe e resiste a violência contra a mulher nos lares brasileiros, que exige do Estado especial atenção.

Tenho certeza que o constituinte originário teria excepcionado o prazo de separação fática de dois anos para situações de extrema rejeição do outro cônjuge.

Nesse contexto excepcional deve ser entendido que o jurista pode decretar o divórcio sem prazo, no caso de violência doméstica, quando não vislumbre a necessidade de um prazo de reflexão. O prazo de reflexão deve ser substituído por uma resposta efetiva do Estado na preservação da vida da vítima de violência doméstica, pois o ordenamento constitucional não permite antinomias em suas normas originárias e o aplicador da lei na pós-modernidade deve ponderar valores e adotar a norma razoável ao caso concreto(Artigo 226 § 8º c/c artigo 1º III e não interpretação literal do artigo 226 § 6º).

A violência é a antítese do amor, uma roupa rasgada pela discórdia, pela negação do outro como “outro”, como ser humano único de diferenças, sentimentos e referenciais. A mulher vítima de violência doméstica não pode ser INVISÍVEL ao Estado e aos juristas sensíveis da pós-modernidade;

Em processos cujo divórcio seja pedido sem prazo o interprete deve entender que não há razão de ser constitucional de um prazo de reflexão, principalmente em situações que a requerente está sofrendo séria ameaça de morte ou foi vítima de expressiva violência física. Mesmo que fosse uma separação fática de 01( um ) dia o Estado deve responder com uma resposta justa, pois alguém vítima de homicídio sofre injúria gravíssima icompatível com os deveres que os cônjuges assumiram quando resolveram constituir família.
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Trata-se de inovar o Código Civil Brasileiro adotando interpretação humanista no tema do direito de família, em que surgindo evidência e declaração concreta de violência doméstica o prazo de reflexão é implícito , pois há uma presunção de desfazimento do casamento.

O intérprete do direito atual deve aplicar a norma no seu aspecto teleológico e não pode ser um ser insensível a mudanças, pois o caso concreto nunca é igual – a justiça é um valor formatado por sentimentos necessários, que apesar de abstratos exigem uma aplicação razoável para que o ser humano vislumbre nas decisões jurídicas legitimidade e efetividade.

Diante das considerações acima, vislumbro que o ser humano tem direito ao divórcio diante de situações em que a sua liberdade está sendo uma alegoria da não liberdade, em que diante de violência domestica não há possibilidade de restaurar a família, e o prazo de reflexão é um risco maior para conturbar a relação afetiva fragilizada pelo desamor total, cujo risco pode ser o “fim de um ser” que apenas via no outro razão de ser FELIZ.

Entendo ainda que os filhos do casal devem ficar com a mãe, sem maiores considerações, pois o requerido é uma pessoa de comportamento violento que de forma alguma atenderá os nobres fundamentos do ECA de proteção integral do menor e adolescente.

Ante o exposto, e em harmonia com o parecer ministerial, julgo procedente os pedidos formulados na petição inicial, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 269, I, CPC, e interpretação sistemática dos artigos 226 § § 6°( sem o prazo de dois anos) e 8° e artigos 1°,III, 3°,IV e 5°, caput e seu § 2°, todos da Constituição Federal, e as Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher( artigo 16 item b) e do Belém do Pará( artigos 3°,4° itens a,b,e e artigos 7° e 12) e a Lei Maria da Penha nos seus artigos 5° e 6° e DECRETO o DIVÓRCIO DIRETO de C.B.S. e J.A.L.. No que se refere aos filhos do casal, permanecerão eles sobre a guarda da requerente. Por fim, Determino que a requerente utilize o seu nome Cleidilara Barbosa dos Santos, na condição de solteira, devendo o Cartório Cível expedir mandado pra fins de averbação após o trânsito em julgado.






Condeno o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo no montante de R$ 500,00( quinhentos reais), com base no artigo 20 § 4° do CPC.

Não efetuado o pagamento, após o trânsito em julgado, o Cartório Cível deve informar a Procuradoria da Fazenda Estadual, e após arquivar os autos e tomar todas as providências necessárias da baixa na distribuição.

Cientifique-se o douto órgão ministerial.

P.R.I.Cumpra-se.

Araguacema, 09 de outubro de 2008.


LUCIANA COSTA AGLANTZAKIS
Juíza Substituta