quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Presunção de Inocência e Concurso Público

Presunção de Inocência e Concurso Público

Vick Mature Aglantzakis, Bacharel em Direito pela UFRR e Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá – RJ.

Os editais de ingresso nas mais variadas carreiras públicas exigem além de outros requisitos previstos na norma de regência do certame, sindicância de vida pregressa, sendo comum a exclusão de candidato por parte da Administração, que responde ou tenha respondido à ação penal, inquérito ou termo circunstanciado, ao argumento de que falta inidoneidade para ocupar o cargo público. Argumentam que o Princípio da Inocência ou da Não-Culpabilidade, tem aplicação somente na seara penal.

Contudo, essa interpretação tosca não encontra guarida nem mesmo entre os processualistas penais.

Com efeito, Fernando da Costa Tourinho Filho, em sua obra Processo Penal, vol.I, Editora Saraiva, 30ª edição, 2008, p. 61/62, ensina forte em Castanheira Neves, que o princípio da inocência “É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre. Assenta no reconhecimento dos princípios de direito natural como fundamento da sociedade.”(grifei).

Julio Fabrini Mirabete, no seu festejado livro Processo penal, 10ª, Ed. Atlas, 2000, p. 42, citando lição de Eugênio Florian, averbera : “ É que existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado”.

O princípio da inocência é corolário do princípio do devido processo legal em seu aspecto substancial, cuja redação é: art., LVII “ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Há um aparente caráter restritivo do preceito ora citado, contudo , como se disse, aparente, de que o mesmo aplicaria-se tão somente no âmbito penal.

Contudo, o mesmo está inserido como Direito Fundamental, e como tal se espraia, se irradia, por todo o ordenamento jurídico. Não se trata de norma restritiva, ao contrário, direitos interpretam-se com amplitude, deveres com restrição.

Nesse sentido, Uadi Lâmmego Bulos, em Curso de Direito Constitucional, 2007, Saraiva, p. 547: “ Embora o art.5º, LVII, refira-se aos processos penais condenatórios, incluem-se no âmbito da presunção de inocência os processos cíveis e administrativos”.

Assim também Vital Moreira e Gomes Canotilho, em Fundamentos da Constituição, Coimbra editora, p.143 “No campo dos direitos fundamentais tal regra quer dizer, interpretação mais favorável aos direitos fundamentais”.

O princípio da inocência deve ser considerado como projeção de um princípio maior que é o da Dignidade da Pessoa Humana, princípio fundamental da democracia e do Estado brasileiro.

Assim, os editais, enquanto atos administrativos com conteúdo normativo deve se subordinar a Constituição, pois é ela o pressuposto de toda e qualquer produção normativa do Estado.

Desta forma a regra da inidoneidade só tem guarida se o candidato a concurso público foi condenado a sentença penal com trânsito em julgado, onde não mais de discute a sua culpabilidade. Essa é a orientação jurisprudencial consolidada nas cortes superiores, onde logo baixo, transcrevo algumas. E é bom que assim seja, pois do contrário um mero erro judiciário ou policial, poderia acabar com a pretensão de quem ao final de um processo penal, além de ficar estigmatizado, ficaria alijado das oportunidades do serviço público, por algo que não cometeu. Nunca é demais lembrar alguns erros judiciários que ficaram marcados na história, como o caso de Manuel Coqueijo Costa, conhecido como a fera de Macabu, Major Dreyfus e os irmãos Naves, para não citar outros de tão triste lembrança.

Vejamos a jurisprudência pátria:
No STJ:
RMS 13546 / MA
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2001/0097052-2
Relator(a)
Ministro OG FERNANDES (1139)
Órgão Julgador
T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento
10/11/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 30/11/2009
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO, EM VIRTUDE DE AÇÃO PENAL CONTRA ELE INSTAURADA. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ART. 5.º, INC. LVII, DA CF/88.

1. O Supremo Tribunal Federal formou compreensão segundo a qual:
"Viola o princípio constitucional da presunção da inocência,
previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de
candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal
sem trânsito em julgado da sentença condenatória". (AgRg no RE
559.135/DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 12/6/2008)
2. Seguindo a mesma linha de raciocínio, em acórdão relatado pela
em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura nos autos do Recurso em
Mandado de Segurança n.º 11.396/PR (DJe 3/12/2007), asseverou este
Superior Tribunal de Justiça que: "Por força do disposto no artigo
5.º, inc. LVII, da CR/1988, que não limita a aplicação do princípio
da presunção de inocência ou da não-culpabilidade ao âmbito
exclusivamente penal, também na esfera administrativa deve ser
referido princípio observado".
3. Desse modo, incorre em manifesta inconstitucionalidade o ato que,
por motivos de inidoneidade moral lastreados na existência de ação
penal, afastou o impetrante do concurso de que participava,
impedindo-o de prosseguir nas etapas restantes.
4. Registre-se, por necessário, que, no caso específico dos autos,
subsiste nos autos a comprovação de que a referida ação penal foi
julgada, tendo o juízo criminal proclamado a absolvição do
impetrante, sem qualquer insurgência recursal do Ministério Público.
5. Sendo assim, como bem pontuou o em. Ministro Marco Aurélio de
Mello, ao relatar o Recurso Extraordinário n.º 194.872-8/RS (DJ
02.02.01), "Vê-se, portanto, o quanto é sábia a cláusula
constitucional que reflete a presunção do ordinário, ou seja, da
ausência de culpa".
6. Recurso em mandado de segurança a que se dá provimento, para para
conceder a ordem e, nessa medida, garantir ao impetrante a
participação nas restantes etapas do concurso público a que se
submeteu, devendo a Administração providenciar os atos necessários a
esse propósito.

RMS 11396 / PR
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
1999/0110275-8
Relator(a)
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)
Órgão Julgador
T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento
12/11/2007
Data da Publicação/Fonte
DJ 03/12/2007 p. 362
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CANDIDATO, RÉU EM AÇÃO PENAL, POR INIDONEIDADE MORAL. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO E INOCÊNCIA. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CLASSIFICAÇÃO INFERIOR À DO IMPETRANTE. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DOS CANDIDATOS. NÃO-CABIMENTO DE ANULAÇÃO DE SUAS NOMEAÇÕES.

1. Por força do disposto no artigo 5º, LVII, da CR/88, que não
limita a aplicação do princípio da presunção de inocência ou da
não-culpabilidade ao âmbito exclusivamente penal, também na esfera
administrativa deve ser referido princípio observado.
2. Incorre em flagrante inconstitucionalidade a negativa de
nomeação, por inidoneidade moral, de aprovado em concurso público
com base na apresentação de certidão positiva que indicava sua
condição de parte no pólo passivo de ação penal em curso.
3. Ausência de citação dos nomeados que foram classificados com
notas inferiores as do recorrente diante da inexistência de
litisconsórcio passivo necessário, pois eventual concessão do
mandamus não iria alterar os resultados que obtiveram no certame ou
acarretar na nulidade do concurso. Indeferimento do pedido de
anulação de suas nomeações, que não incorreu em ofensa ao direito
líquido e certo do impetrante de ser nomeado.
4. Recurso ordinário provido em parte. Nomeação do impetrante no
cargo de Auxiliar Judiciário PJ-I ou, em caso de sua transformação,
no cargo atualmente correspondente.





No STF:
AI 769433 AgR / CE - CEARÁ
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 15/12/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação
DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010
EMENT VOL-02389-14 PP-02954
Parte(s)
AGTE.(S) : ESTADO DO CEARÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ
AGDO.(A/S) : JEFFERSON LOPES CUSTÓDIO
ADV.(A/S) : JEFFERSON LOPES CUSTÓDIO
Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que viola o princípio constitucional da presunção de inocência a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
AI 741101 AgR / DF - DISTRITO FEDERAL
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 28/04/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação
DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009
EMENT VOL-02362-12 PP-02281
Parte(s)
AGTE.(S): DISTRITO FEDERAL
ADV.(A/S): PGDF - DENILSON FONSECA GONÇALVES
AGDO.(A/S): JOÃO LUCAS DE ANDRADE RIBEIRO E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): VANDERLEI SILVA PÉREZ E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): JOÃO CEZAR SANDOVAL FILHO E OUTRO(A/S)
Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. MAUS ANTECEDENTES. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em julgado, fere o princípio da presunção de inocência. Agravo regimental a que se nega provimento.
Decisão
A Turma, à unanimidade, negou provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Celso
de Mello e Cezar Peluso. 2ª Turma, 28.04.2009.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE E O EFEITO REPRISTINATÓRIO: UMA VISÃO CRÍTICA

Vick Mature Aglantzakis, Bacharel em Direito pela UFRR e Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá – RJ.



Neste artigo dissertarei sobre a declaração de inconstitucionalidade e o efeito repristinatório que é atribuído pelo Supremo Tribunal Federal, por força do disposto no Art. 11, §2º da Lei 9868, de 10.11.1999.

A Lei de Introdução ao Código Civil (impropriamente denominada pois a mesma não regula apenas as normas do Direito Civil, más de todo o ordenamento jurídico brasileiro quanto a vigência, eficácia e aplicação das mesmas) DL 4657, de 04.09.1942, no que pertine ao tema dispõe que:

Art. 2º “ ...omissis...”
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

De modo claro e em nome da segurança jurídica, o ordenamento pátrio vedou a repristinação das leis, que consiste no fenômeno jurídico onde uma lei que fora anteriormente revogada, tendo sido a lei revogadora posteriomente revogada, faz tornar ao mundo jurídico a lei primievamente revogada.

Com o advento da Lei 9898/99, que “ Dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Dieta de inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, aparentemente introduziu no ordenamento pátrio o instituto da repristinação.

Art. 11 ” ...omissis...”
§ 2º A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

Saliente-se de plano, a ofensa ao primado da segurança jurídica, uma das balizas mestra do princípio democrático, a adoção do efeito repristinatório, pois a jurisprudência do Excelso Pretório, já assentou que “ A ADI não está sujeita a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360. ADI 1245 –MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 09.09.1995” “grifei”.

Ora, não estando sujeita a nenhum prazo de decurso para a impugnação da norma inconstitucional, implica salientar que dento dos planos possíveis das normas, que são o da existência, validade e eficácia, a mesma não existe, ou seja carece de existência no mundo jurídico, implicando em tornar inexistentes, situações jurídicas consolidadas, independentemente do seu tempo, não se podendo falar em direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (a mesma há algum tempo tem sido relativizada), ainda que argumente a possibilidade de modulação dos efeitos e de sua declaração ex nunc, da lei julgada inconstitucional.

É imperioso ressaltar que o Art.11, acima citado tarta das medidas cautelares, ou seja, uma providência declarada pelo magistrado, visando assegurar o resultado útil do processo. Tanto é assim, que enquanto não julgada a medida cautelar, nada impede que se ajuíze ação declaratória de inconstitucionalidade como prejudicial em processo de interesses individuais, aplicando tão somente aos litigantes envolvidos na relação processual. Nesse sentido “ À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. ADI 3205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 17.11.2006.” “grifei”
Assim, a medida cautelar está no plano da vigência da norma impugnada e não da sua existência. A declaração da inconstitucionalidade em ADI, releva a inexistência da norma, tendo como regra geral efeitos retroativos, não se podendo falar em repristinação ou efeitos repristinatórios, pois o que nunca existiu não tem o condão de revogar (ab-rogar ou derrogar) uma lei, diferentemente do que ocorre em sede cautelar, onde a norma supostamente inquinada de vício tem a sua eficácia suspensa. Na RCL 2653-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, decidiu monocráticamente que enquanto não deferida a medida cautelar pleiteada, a norma impugnada tem vigência, DJ. 30.06.2004. (grifei).
Na era em que vivemos e lemos sobre o pós-positivismo, direito civil-constitucional e que a Constituição ganhou o status que lhe era devido, ainda assim, O Supremo Tribunal Federal continua utilizando-se de conceitos civilísticos em seara nitidamente pública e da maior importância como é o caso do julgamento de uma Acão Declaratória de Inconstitucionalidade. Transcrevo a seguir trecho de um voto do Min. Celso de Mello, que confirma a afirmação acima “ A declaração de inconstitucionalidade in abstracto considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64, 194/504-505 – ADI 2867/ES, v.g.) importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. ...omissis... Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória (ADI 3148). No mesmo sentido ADI 2903. DJE 19.09.2008.” (grifei).
Desta forma, faz-se necessário uma reeleitura dos institutos constitucionais conceituados sob a ótica civilística, pois o que a LICC preconiza é que outra lei determine a repristinação da lei revogada e não o juiz, seja ele de que alçada for, com o intuito de evitar a atuação positiva do magistrado quando uma lei é questionada: vale dizer atuando como legislador positivo, o que é vedado desde a Revolução Francesa e que já era advertido pelos gregos da antiguidade de que a pior tirania que poderia existir seria a dos juízes.